Esse é o título dado a um precioso ensaio escrito pelo crítico gaúcho, AUGUSTO MEYER,  imortal da Academia Brasileira de Letras  e profundo conhecedor da obra de MACHADO DE ASSIS, em que analisa o que estava na gênese da profunda mudança pela qual passou o nosso maior romancista, cuja primeira fase é composta por romances que MEYER qualifica como “medíocres”, até chegar ao monumental livro, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, verdadeira obra de gênio diz MEYER:

Só quando desceu ao fundo de si mesmo, para desenganar-se, Machado conseguiu criar obra digna do seu gênio, ou se preferem, do seu demônio, o daimon que se agitava dentro dele, sem que o soubesse, ainda em estado fetal ou dormitivo, mas a contar de certo momento, já bicando a casca do ovo para sair cá fora, à luz do dia, que o sol nasce para todos …”.

Vários críticos estão  ao longo do tempo e ainda hoje a buscar a compreensão do enigma que envolve a transmudação de MACHADO a partir de “As Memórias Póstumas de Brás Cubas”. A biógrafa LUCIA MIGUEL PEREIRA é uma delas, e no livro dedicado a MACHADO há certos indícios que têm alguma consistência.

Mas parece que MEYER terá chegado mais longe nessas pistas, ao observar  que, no começo de 1880, MACHADO publicara na Revista Brasileira alguns sonetos, e dentre eles  “No Alto”, cujo começo tinha a seguinte redação, que depois foi modificada quando da publicação em livro. Está aí, segundo MEYER, o segredo da mudança. Vejamos como era a redação inicial do soneto “No Alto”, publicado em 1880 na Revista Brasileira:

O poeta chegara ao alto da montanha/

E quando ia a descer a vertente do oeste,/

Viu uma cara estranha/

Dura, terrena e má”. 

Compare o leitor a mudança feita por MACHADO nesse exato trecho de seu soneto, ao publicá-lo em livro, quando, abrandando,  em lugar  de “Viu uma cara estranha”, escreveu “Viu uma coisa estranha/ Uma figura má”, a querer esconder dos leitores que havia ali perdido “todas as ilusões sobre os homens”, fonte de seu pessimismo, como confessara a seu íntimo amigo, MÁRIO DE ALENCAR, filho de JOSÉ DE ALENCAR.

Pessimismo que, uma vez nascido no coração de MACHADO, ali permaneceu para sempre e o que, de acordo com o MEYER, explica a profunda transmutação de romances pueris como “Iaiá Garcia” em obras de gênio como “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, as escrevendo até o final de sua final, e sobretudo em seu último livro, profundamente autobiográfico, “Memorial de Aires”.

MEYER fornece-nos ainda uma outra preciosa ferramenta pela qual podemos ler MACHADO com um proveito cada vez maior:

A melhor prova disto é que ele ganha muito em ser lido aos trechos, ou a largos intervalos de leitura, para que o esquecimento relativo ajude a sentir, não a inércia da repetição e os lados fracos, mas a graça original dos melhores momentos. Pelas mesmas razões, o conteur em Machado de Assis leva quase sempre vantagem garantida sobre o romancista, a vantagem que decorre de uma proporção exata e de um equilíbrio mais perfeito entre o impulso criador e a sua limitação intensiva (..”).

Para o leitor interessado na leitura do ensaio de AUGUSTO MEYER, poderá encontrá-lo compondo o livro publicado em setembro de 1958 pela “Revista do Livro”, em uma edição comemorativa ao cinquentenário da morte de Machado de Assis.

 

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