“Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
§ 3º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97.
§ 4º A multa estabelecida no § 2º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1º, e 536, § 1º.
§ 5º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2º poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.
§ 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
§ 7º Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2º.
§ 8º O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar”.

Comentário: dada a diversidade de temas que estão tratados no artigo 77 do CPC/2015 (artigo que constitui o núcleo para a compreensão do instituto da litigância de má-fé), dividiremos em cinco partes os comentários, iniciando-os por esta introdução que tem o objetivo  de provocar o leitor a considerar uma  distinção, muitas vezes olvidada pela doutrina, entre as figuras jurídicas do “abuso de direito” e da “litigância de má-fé”.

E para isso convidamos o leitor a conhecer uma pequena passagem de um romance (sim, de um romance) escrito em Portugal em 1862, aspecto temporal que é de grande relevo sublinhar porque àquela altura a doutrina civilista ainda não havia fixado a essência e os caracteres da figura do ato abusivo.

O que  a seguir será reproduzido  é do romancista português JÚLIO DINIZ, que é mais conhecido  por ser o autor do romance “As Pupilas do senhor Reitor”, que no Brasil ganhou notoriedade depois de uma adaptação para uma conhecida novela.

Eis a passagem que o leitor encontrará no livro “Uma Família Inglesa”, de JÚLIO DINIZ, cuja formação era a medicina (e não Direito):

“Há certos homens, escrupulosos respeitadores da letra das leis, que praticarão desafogados qualquer ação averiguadamente ilícita, sempre que possam sofismar os artigos do Código de maneira que se ressalvem da pronúncia judicial, dando-se-lhes pouco que o espírito que os ditara ao legislador fique muito maltratado pelo sofisma”.

Surpreendentemente, neste trecho de pura ficção está, em resumo,  tudo aquilo  que formará a essência do que viria a configurar-se na doutrina germânica a figura do ato abusivo.

Na primeira parte dos comentários ao artigo 77, desenvolveremos a distinção entre o ato abusivo no processo e a litigância de má-fé, e o leitor poderá, por conta própria, confirmar se o romancista português não terá delineado a figura do ato abusivo, antes que os juristas a criassem.

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