Quem tiver lido com atenção a exposição de motivos ao CPC/2015, perceberá, nas entrelinhas, como foi deixado um campo aberto a que viesse a se propor, com o tempo, que se retirasse do campo de proteção do Poder Judiciário os créditos de instituições financeiras, passando a cartórios extrajudiciais a execução de tais créditos. Afinal, quem fala o tempo todo em “efetividade”, como fez o Legislador na exposição de motivos ao CPC/2015 demonstra que a sua única preocupação é com que o crédito seja satisfeito, não importa a que custo, inclusive à margem das garantias constitucionais.
Claro está que não se trata de qualquer crédito e de qualquer credor. Apenas os credores privilegiados podem fugir do Poder Judiciário, que, além de muito lento, preocupa-se muito com o que diz a Constituição. E se é difícil mudar a Constituição, que se modifique a legislação ordinária, como vem de ocorrer agora.
O Senado Federal, por sua comissão de assuntos econômicos, acaba de aprovar o projeto pomposamente denominado de “Marco das Garantias”, como se as garantias pudessem ter um marco, porque a rigor, em sendo uma garantia, o marco está nela própria. Pois bem, o Senado acaba de aprovar o projeto a que se deu nome de “Marco das Garantias”, e poderá o leitor supor que se tratar de uma proteção às garantias. Ledo engano. O que o Senado quer ver aprovado é prever na lei que alguns credores (os bancos, por exemplo), executem seus créditos diretamente, sem que sejam obrigados a passar pelo processo judicial. Os cartórios extrajudiciais (os de notas, por exemplo) passarão a fazer essa execução, e poderão fazer tudo o que hoje só o Poder Judiciário pode fazer, penhora, por exemplo.
A elementar justificativa do autor do projeto é que isso fará desafogar o Judiciário, e não há dúvida de que o número das ações ajuizadas por entidades financeiras é expressivo. Mas, desafogando o Judiciário, o projeto afogará o devedor.
E note o leitor que o inverso não vale. Ou seja, quando se trata de o consumidor contra o banco, aí o Poder Judiciário deve ser utilizado, porque os bancos querem que se observe o devido processo legal como uma garantia constitucional.
Antigamente, era comum ouvir-se um adágio: “Aos amigos tudo, mas aos inimigos a lei”. O projeto aprovado em uma comissão do Senado permite mudar um pouco a versão dessa adágio, como que a atualizando. Devemos agora dizer: “Aos inimigos, o devido processo legal”.