Credita-se à coisa julgada todos os males do mundo. Os governos em geral o fazem e isso lhes é bastante cômodo, na medida em que o abstrato (a coisa julgada) tem pouca defesa contra aquilo  que o mundo concreto lhe censura. Assim, como se revela assaz perigoso aos governantes em uma democracia atribuírem ao Poder Judiciária a causa na queda de receitas tributárias (que, aliás, são as receitas de primeira grandeza de qualquer governo), mais fácil e mais vantajoso é afirmar que uma abstração – a coisa julgada – é que constitui essa causa. É o que fez o nosso ministro da Fazenda, ao lembrar que grandes expressas conquistaram na justiça o direito a créditos tributários, e por conta do acentuado volume desses créditos, a receita tributária no Brasil não atingiu o que dela se esperava. Eis aí a coisa julgada como vilã.

Dizia CHIOVENDA que a coisa julgada existe apenas por razões práticas, de maneira que se poderia mesmo pensar na conveniência de que ela não existisse. Suponho que o nosso ministro da Fazenda terá lido o famoso jurista italiano e, refletindo, chegou à conclusão de que se a coisa julgada é apenas uma questão de utilidade prática, nada impede que, nalgumas situações, não a devemos ter, como no caso que envolve a receita tributária. Será suficiente, pois, desconsiderar a coisa julgada material quando em questão a receita tributária, e deixar que a discussão nos tribunais prossiga indefinidamente, em especial até que algum tribunal dê razão ao Fisco.

Mas se se trata de uma utilidade prática, os contribuintes, ou seja, essas mesmas empresas poderão se utilizar de idêntico argumento, apenas que  em sentido contrário. Poderão assim argumentar que, nas ações tributárias em que perderam, deve-se deixar de lado a coisa julgada, retomando-se a discussão no processo judicial, até que alguém, algum dia, dê razão ao que essas empresas alegam.

O Direito é o campo natural do embate, da controvérsia, das alegações, e é exatamente por isso que CHIOVENDA argutamente percebeu que a coisa julgada poderia não existir, mas é melhor que exista, porque sem ela não há sistema de direito positivo que suporte a pressão que decorre de uma característica própria tanto de qualquer humano, como de todo governo: a insatisfação. Portanto, apropriadíssimo o termo “erosão” utilizado pelo ministro, porque é a insatisfação que pode corroer pouco e pouco a fé na justiça, não no sistema da Justiça, mas da justiça como qualidade de qualquer governo que se queira democrático, que está essencialmente no aceitar as regras do jogo, em especial das regras que peremptoriamente afirmam  que, formada a coisa julgada, não mais se discute. E bola para a frente!

 

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