Reproduzo aqui declaração de voto que elaborei em ação rescisória, tratando de uma importante modificação trazida pelo CPC/2015 relativamente à ação rescisória, modificação que fez surgir uma nova natureza jurídica da ação rescisória, assim ampliada. Confira o leitor pelas razões trazidas nesse caso em concreto:
DECLARAÇÃO DE VOTO FAVORÁVEL
Com todo o respeito que é deveras merecido ao voto da eminente Desembargadora que fez instalar a divergência, acompanho o voto do ilustre Desembargador Relator, para que seja realizado o duplo “iudicium”, tanto o “rescindens”, quanto o “rescissorium” neste caso, em que não bastaria rescindir o v. Acórdão, o que seria inócuo à pretensão do autor, de maneira que, além de desconstituir o v. Acórdão, há que, como bem fez o ilustre Desembargador Relator, reconhecer o direito subjetivo do autor, declarando a inexistência de relação jurídica que autorize a cobrança das denominadas “taxas associativas”.
Como a divergência radica, em essência, quanto a ter se configurado a decadência, por entender a ilustre Desembargadora que o direito à ação rescisória, na hipótese prevista no parágrafo 12 do artigo 525 do CPC/2015, em conjunto com o previsto no artigo 966, inciso V, também do CPC/2015, somente não é alcançado pela decadência se a declaração de inconstitucionalidade pelo egrégio Supremo Tribunal Federal der-se ainda na vigência do prazo de decadência para a ação rescisória, entendo necessário considerar certos aspectos, que, a meu ver, “concessa venia”, infirmam o pensar exposto na divergência.
Sobremaneira importante considerar que, em função do valor da segurança jurídica, erigido como valor nuclear no CPC/2015, o Legislador engendrou instrumentos pelos quais esse valor possa ser implementado nos casos em concreto, o que o conduziu a criar uma hipótese para a ação rescisória, subsumindo-a ao conceito genérico previsto no enunciado do artigo 955, inciso V, do CPC/2015 (“violar manifestamente norma jurídica”), prevendo, pois, no artigo 525, parágrafo 12, que se deverá considerar como “inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ator normativo considerado como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (…)”, o que deu azo a uma considerável ampliação da ação rescisória, agora a ser utilizada não somente para aquelas tradicionais hipóteses de nulidade/anulabilidade da sentença transitada julgado, senão que empregada que deve ser também para que prevaleça o valor da segurança jurídica, o que é de ocorrer quando o Supremo Tribunal Federal, exercendo controle concentrado ou difuso de constitucionalidade, tenha decidido com efeito vinculante e obrigatório determinado tema.
A rigor não se trata apenas de ampliação de hipótese de cabimento da ação rescisória, mas verdadeiramente de uma modificação na natureza jurídica da ação rescisória em nosso direito positivo. Se antes, nos regimes dos CPC/1939 e CPC/1973, poder-se-ia dizer, como fez FREDERICO MARQUES, no sentido de que se tratava de “Remédio por excelência para anulação dos efeitos da sentença passada em julgado, a ação rescisória é de natureza constitutiva, uma vez que tem por fim extinguir a situação jurídica consubstanciada na decisão que se busca anular” (“Instituições de Direito Processual Civil”, vol. IV, p. 369), hoje, diante do CPC/2015, transmudou-se a natureza jurídica da ação rescisória, conferindo-lhe um papel que antes não possuía e não lhe era próprio, que é não é mais apenas o de fazer rescindir uma sentença porque nula ou anulável, mas sim porque a sua parte dispositiva colide com o que veio a decidir o Supremo Tribunal Federal com a nota de repercussão geral e vinculação obrigatória, quando leva a cabo o controle de constitucionalidade, concentrado ou difuso. A sentença ou o acórdão de tribunal local seriam válidos (e não nulos ou anuláveis), não fosse o relevante fato de que a sua parte dispositiva colide frontalmente com o decidiu o Tribunal de superposição e com poder de controle de constitucionalidade.
Poder-se-ia argumentar que o CPC/2015, ampliando a finalidade da ação rescisória, teria feito indevidamente relativizar a coisa julgada material, trazendo a insegurança jurídica a pretexto de querer implementar precisamente a segurança jurídica. Não é disso que se trata, contudo. A coisa julgada material, como ensina CHIOVENDA, existe apenas por que razões de ordem prática exigem que ela exista, porque seria contraproducente que o direito positivo de um país permitisse a sempiterna discussão acerca do acerto de uma decisão judicial, criando uma insegurança jurídica. Mas nada obsta que o direito positivo de um determinado país, como o nosso, também por razões de utilidade prática, estabeleçam exceções à coisa julgada material, como se dá agora pela ampliação da ação rescisória.
Portanto, modificada a natureza jurídica da ação rescisória, há o intérprete que considerar que isso causa influxo no termo inicial da ação rescisória quando se trata de uma decisão emanada do Supremo Tribunal Federal, porque o termo inicial para a ação rescisória deve ser fixado a partir do momento em que ocorre o trânsito em julgado daquilo que o Supremo Tribunal Federal terá decidido em controle de constitucionalidade, abstrato ou concentrado.
Assim, como destacado no voto do ilustre Desembargador Relator, o trânsito em julgado do que decidiu o Supremo Tribunal Federal ao declarar a inconstitucionalidade das “taxas associativas”, esse trânsito em julgado, pois, ocorreu em 7 de maio de 2022, iniciando-se ali o prazo de decadência para a ação rescisória, porque fundada não nas tradicionais hipóteses de nulidade/anulabilidade de sentença/acórdão, mas na prevalência do valor da segurança jurídica, o que significa dizer que a ação rescisória foi ajuizada dentro do prazo legal.
Acompanho, pois, o voto do ilustre Relator.
É como voto, respeitosamente.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE