Conquanto de há muito CHIOVENDA tivesse feito observar que o processo civil deve dar ao autor, quando este tem a sua razão reconhecida no processo, tudo aquilo a que teria direito, não tivesse a necessidade de utilizar-se da tutela jurisdicional, essa posição doutrinária, ainda que emanada de um grande mestres do processo civil, não vingou em toda a sua extensão, na medida em que não se sabe bem o que isso pode significar. Há ainda hoje, com efeito, quem defenda que, surgida a lide como objeto do processo civil, o que era antes do processo, ou seja, a relação jurídico-material, não será exatamente o mesmo como objeto do processo. Ou seja, a relação jurídico-processual transforma de alguma maneira a lide, sendo esta um conceito sociológico e pré-processual.

É nesse contexto que se instala a  discussão que será retomada na corte especial do Superior Tribunal de Justiça a partir de amanhã, quando os ministros analisarão se os juros de mora pactuados em contrato prevalecem incólumes, mesmo quando objeto de um processo civil no qual se esteja a discutir o contrato e a dívida, ou se o processo civil os terá modificado de alguma maneira.

Como divulga hoje o jornal “Valor Econômico”, há a princípio duas opções, considerando os votos já proferidos pelo STJ: ou se adota a “Selic”, que assim embutiria tanto a correção monetária, quanto os juros de mora, ou então se adota a regra do artigo 406 do Código Civil (“Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”), de maneira que, nesse caso, os juros de mora aplicados no processo civil seriam de 1% ao mês, além da correção monetária, computada esta pelo indexador que o tribunal local tiver adotado (INPC, IPCA, ou outro com metodologia semelhante àqueles).

Mas ao contrário do que afirma o jornal, o ponto central da discussão não é o referido artigo 406 do Código Civil. O principal tema ser enfrentado pelo STJ está em extrair um sentido racional  àquilo que CHIOVENDA propugnava no sentido de o processo civil funcionar como um instrumento de recomposição integral de um direito violado. A solução dessa questão passa necessariamente pelo enfrentamento de uma questão ontológica fundamental: o ser do processo civil, questão que, em tendo natureza filosófica, costuma assustar os processualistas, muitos dos quais são refratários a pensar o processo civil sob a perspectiva da Filosofia (da Filosofia geral, deixemos claro).

Quando CARNELUTTI criou o conceito de “lide”, dizendo tratar-se de um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, não poderia imaginar que estivesse conduzindo os processualistas a pensarem o processo civil sob uma visão filosófica, em que se deve analisar o que é a lide enquanto lide, ou seja, enquanto ser: um conceito puramente sociológico e que como se tal se transforma quando passa a ser objeto do processo, ou não?

E há ainda uma outra questão, esta de natureza econômica, que estará envolvida nesse importante julgamento e que diz respeito a definir se o processo civil pode, ele próprio, ser um instrumento de riqueza. Antes, os processualistas da era CHIOVENDA, e mesmo alguns ainda hoje, viam e veem o processo ingenuamente como um instrumento de justiça, olvidando daquilo que MARX, antes de CHIOVENDA, percebera não propriamente no campo do processo civil, mas no campo mais geral do Direito, como um instrumento econômico de poder. Que o digam os credores e devedores, conforme a solução que se der ao caso em questão.

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