Um pouco antes da Segunda Guerra Mundial, o filósofo austríaco, KARL POPPER, reunia as ideias das quais havia se utilizado para escrever o ensaio “A Indigência do Historicismo”: daí nasceu a sua conhecida obra “Sociedade Aberta”, em que discute acerca dos limites que o Estado pode legitimamente impor à liberdade. POPPER, que fora um marxista, percebera que as ideias de ENGELS podiam conduzir a impor um desproporcional controle da liberdade.
POPPER deu-se conta de que é nosso fadário viver em uma sociedade imperfeita. Em sua “Autobiografia Intelectual”, ele explica a razão pela qual teremos sempre de viver em uma sociedade imperfeita: “Isso não é assim apenas porque até mesmo as pessoas boas são imperfeitas, nem porque, obviamente, erramos com frequência, por não sabermos o bastante. Mais importante do que qualquer dessas duas razões é o fato de que sempre existirão insolúveis conflitos de valores: há muitos problemas morais insolúveis, porque pode existir conflito entre princípios morais”.
Aqueles leitores familiarizados com as ideias de ISAIAH BERLIN, outro grande filósofo, perceberão quão próximas dessas ideias estava POPPER ao se referir ao eterno conflito entre a liberdade e as outras liberdades, sobretudo a liberdade de que se arvora o Estado quando quer controlar, materializada em uma sociedade de controle, que, a propósito, foi depois objeto de atenção de FOUCAULT.
POPPER, em “A Sociedade Aberta”, afirma que, como existirão sempre conflitos entre os valores, a nossa sociedade nasceu imperfeita – para assim permanecer. “Choque de valores e princípios são importantes e, na verdade, essenciais numa sociedade aberta”. Dessa imperfeição, extraímos o que é a perfeição, que é o viver em uma sociedade aberta.
Assim, quando se pensa em instituir um órgão de controle sobre o conteúdo daquilo que se publica nas redes sociais, devemos ter presente o que sublinhou POPPER no sentido de que a imperfeição que caracteriza a nossa sociedade lhe é conatural, o que significa dizer que temos que conviver com contradições e com conflito de valores, conquanto saibamos que racionalmente, como dizia BERLIN, podemos resolvê-los, tanto os conflitos, quanto superarmos as contradições. E isso se dá por meio do processo judicial, este sim a forma mais perfeita das imperfeitas até hoje descobertas.
Poucos se lembrarão, mas MUSSOLINI, tão logo conquistou o poder, determinou uma medida que pareceu à primeira vista prosaica e inofensiva: proibiu a venda de determinadas obras. Sabe-se hoje o que ele almejava com esse controle.
Sorte a nossa que temos uma Constituição como a de 1988, que consagra a liberdade e o pluralismo, reservando ao Poder Judiciário o controle racional dos conflitos entre valores.