Consolidada ao longo do tempo e depois de muito sacrifício a ideia de que uma democracia deve necessariamente possuir poderes autônomos, aos quais se atribuem específicas funções, não convém que se criem situações que possam dar lugar a indevidas intromissões de um poder sobre outro. Como os cientistas políticos e juristas são acordes em dizer, o Poder Legislativo legisla, enquanto o Poder Judiciário julga, cabendo ao Poder Executivo apenas cumprir a lei, executando-a. Nada mais simples que isso.

Mas o que ocorre quando o Poder Legislativo não legisla? Primeiro é necessário compreender e qualificar essa omissão, pois que há diversas formas em que ela se pode caracterizar. O Poder Legislativo pode ter razões para não legislar acerca de uma determinada matéria, e essas razões estão inseridas em seu poder discricionário, em cujo conteúdo está o decidir não fazer. Os demais poderes devem respeitar essa decisão, pois. Como exemplo, temos a lei que institui o imposto sobre as grandes fortunas, até hoje não instituído na prática. Respeitou-se a divisão entre os poderes, aceitando essa omissão como uma justa omissão.

Haverá ainda situações nas quais o Poder Legislativo não quis legislar porque não encontrou uma consistente maioria de seus membros que significativamente apoiassem o projeto de uma lei. O projeto, então, aguardará o sono dos justos, esperando, quem sabe, um momento propício a se tornar lei. O projeto do Código Civil ficou anos esperando a sua aprovação. Aqui também a omissão do Poder Legislativo é escusável, e não cabe aos demais poderes senão que o respeitarem a decisão de se não legislar.

Haverá, contudo, excepcionais situações em que a omissão legislativa se revelará desproporcional, quando as circunstâncias da realidade material subjacente obriguem o Poder Judiciário, invocando o princípio da proporcionalidade, a legislar, mas o deverá fazer apenas para que um determinado caso possa ser julgado, ainda que inexista a lei.  Essa atuação do Poder Judiciário, contudo, é excepcionalíssima, como resulta da prevalência do princípio da separação dos poderes. Nesse caso, continuará a não existir a lei, mas apenas um provimento jurisdicional que resolverá um caso específico.

Esses são os intransponíveis limites, sem os quais não há democracia.

 

 

 

 

 

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