Se há uma área do Direito em que a realidade impõe-se não apenas na construção dos institutos jurídicos, mas sobretudo em seu desenvolvimento é o da responsabilidade civil em geral, desafiando a argúcia, a criatividade e o bom senso dos operadores jurídicos.
O Código Civil de 2002, a exemplo do que fazia o Código de 1916, por meio de enunciados singelos, prevê que a indenização mede-se pela extensão do dano (artigo 944), que as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de ganhar (artigo 402), de maneira que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (artigo 186), estatuindo-se que o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança (artigo 943).
Vê-se que por normas que são intencionalmente algo singelas o Legislador regulou o instituto da responsabilidade civil em seus aspectos principais, deixando sabiamente que a realidade material possa fornecer aos operadores do direito aquilo que somente ela, a realidade material, poderia ensejar, à revelia do legislador.
É o que ora ocorre com o inapropriadamente denominado “dano-morte”, que vem a ser o nome dado à reparação por dano moral decorrente de um sofrimento a que a vítima foi submetida antes de seu falecimento. A dor está aí como causa da morte e como seu efeito jurídico.
Embora o Legislador do Código Civil não tenha dito o que precisamente constitui o dano moral, aliás, sequer delineando seus contornos, a doutrina vem a passo e passo e de há muito construindo a ideia de que se repara a dor com a reparação por dano moral.
Mas que dor? A mais ampla possível, bastando que seus efeitos possam ter sido projetados no campo do Direito, ou seja, que se tenham materializado a ponto de se poder de algum modo quantificá-la.
A impropriamente chamada “dor-morte” nada mais é, portanto, que a aplicação daquelas regras do Código Civil que, estruturadas em conceito algo indeterminados, garantem ao lesado o direito a uma indenização a mais completa possível, inclusive a do dano moral. Onde há dor que se tenha materializado em seus efeitos jurídicos, haverá reparação civil, ainda que não exista uma norma específica prevendo o fato.