Conquanto tenha tratado de modo simplista diversos fatos ocorridos ao longo de nossa história, formulando conclusões que não encontram uma comprovação segura e consistente em autorizadas obras, extraindo juízos de valores que não são senão que opiniões de seu autor, ainda assim merece leitura o livro “A Classe Média no Espelho”, do sociólogo brasileiro, JESSE SOUZA, recentemente lançado.
É sobretudo na segunda parte desse livro (“Trajetórias de Vida”) que o leitor pode encontrar algo de verdadeiramente interessante, em que o autor reproduz o conteúdo de entrevistas que realizou, tendo tido o cuidado de advertir o leitor de que, conquanto o que está ali reproduzido tenha sido efetivamente relatado “por alguém”, isso não significa que se trate de apenas um indivíduo singular. “Todos os tipos”, adscreve JESSÉ, são “um amálgama do relato de várias pessoas entrevistadas”.
A ideia do autor foi a de compor uma espécie de mosaico formado pela visão compósita de pessoas que integram a alta classe média e classe média, revelando ao leitor como essas pessoas relacionam-se com o poder, como o veem, como consideram a relação com a sociedade subjacente, e está precisamente aí a importância do livro, ao trazer ao leitor dados que confirmarão as impressões que certamente ele já tem, como ocorre quando um entrevistado (rectius: entrevistados) afirma que em São Paulo o que move tudo é o dinheiro, descortinando como as relações da elite financeira com o poder político e jurídico estabelecem-se nesse contexto, em que se destacam relevantes aspectos que se situam no campo da Sociologia das Profissões, como se dá, por exemplo, quando o entrevistado revela quais são estratagemas empregados com alguns juízes, que têm na vaidade de se suporem intelectuais, o ponto fraco pelo qual pode ser manipulados, muitas vezes sem se darem conta disso: “(…) os caras são muito vaidosos, alguns se acham intelectuais. Quando o cara é muito vaidoso, o melhor método é pagar uma palestra com 100,200 ou 300 mil reais, e ainda faz o cara se convencer de que é por sua cultura jurídica (…)”.
Aliás, a vaidade de muitos juízes foi identificada por CALAMANDREI em sua clássica obra “Eles, os Juízes, vistos por um Advogado”, em que o famoso processualista italiano observa como os advogados muitas vezes conseguem obter do juiz a vitória em um caso concreto, fazendo aos juízes acreditar que, eles, os juízes, são intelectuais.
Ressalta JESSÉ, que, “Sem a consciência da realidade que nos molda, somos vítimas ainda mais impotentes de sua força”. Ainda que sejam relatos de algum modo manipulados pelo autor, eles trazem ao leitor algo da realidade, o que já é um primeiro e significativo passo em busca da verdade.