Um filósofo havia feito notar como o Direito é volúvel, ao observar que bastava mudar de um país para outro para se encontrar como proibida pela lei uma conduta que, noutro lugar, é perfeitamente legal. Códigos e bibliotecas jurídicas eram assim um produto descartável, dizia ele em tom de brincadeira.

Mas não é apenas o aspecto geográfico que faz variar o Direito. O Tempo também se encarrega disso, e o faz dentro do próprio território de um país.

Assim, pode suceder que uma pessoa que, outrora réu em processo judicial, como que por um espírito de renovação jurídica terá todo seu passado esquecido, e se fora execrado pela sociedade, será agora por ela recebido como se nada tivesse acontecido. Esse interessante fenômeno jurídico, contudo, não foi notado por nenhum jurista, senão que pelo genial MARCEL PROUST em sua famosa obra “Em Busca do Tempo Perdido”:

Um ministro anterior ao movimento do General Boulanger, que voltara agora ao governo, chegou por sua vez junto de nós, endereçando às damas um sorriso trêmulo e longínquo, como se o enleassem os mil liames do passado, minúsculo fantasma guiado por mão invisível, a estatura reduzida, essencialmente outro, como se fosse a própria miniatura em pedra-pomes. Esse antigo presidente do Conselho, tão bem recebido no faubourg Saint-Germain, fora outrora réu de um processo criminal, execrado pela sociedade e pelo povo. Mas graças à renovação, em ambos, dos componentes, e, nos elementos subsistentes, das paixões e até das recordações o caso fora inteiramente esquecido, ele se via novamente acatado. Não há humilhação, forte embora, a que não nos devamos prontamente resignar, certos de que, ao cabo de poucos anos, os erros enterrados não passarão de poeira imperceptível, sobre a qual vicejará a paz sorridente e florida da natureza. O indivíduo momentaneamente repudiado encontrar-se-á, pelo jogo de equilíbrio do tempo, entre duas recentes camadas sociais, que só lhe testemunharão deferência e admiração, que lhe permitirá pavonear-se a contento. Mas só ao tempo incumbe essa tarefa (…)”. 

Tudo para dizer que não há nada assaz fixo no Direito, nem mesmo a coisa julgada …

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