A realidade impõe-se, quase sempre, em face da vontade do legislador, como está a demonstrar a importância da tutela cautelar cada vez mais crescente em nossa sociedade pós-moderna, caracterizada por uma acentuada complexidade. Muito embora o CPC/2015 tenha extinto o processo cautelar, retirando a importância da tutela cautelar, indevidamente transmudada na prática em tutela antecipada, o fato é que a tutela cautelar sobrevive, como a lembrar ao Legislador o desacerto em que incidiu.
Vejam, por exemplo, o fato que está há alguns dias a dominar o cenário econômico brasileiro e que se refere a uma grande empresa ter obtido uma tutela cautelar para salvaguardar seu patrimônio dos credores até que possa ingressar com a ação de recuperação judicial. E, no mesmo contexto, uma outra tutela cautelar foi concedida em mandado de segurança para proteger a esfera jurídica de um dos credores. São as tutelas cautelares em seu ambiente mais natural: o da proteção.
Proteção que, no campo do Direito em geral, e não apenas no campo do Direito Processual Civil, possui especial importância, porque é o fator tempo o que está sempre presente nas relações jurídicas, sobretudo naquelas de natureza econômica. Poderíamos perfeitamente fazer incorporar à terminologia do Direito a palavra cunhada pelo grande filósofo alemão, HEIDEGGER: “DASEIN”, que, aliás, está integrada aos nossos dicionários, como o Houaiss por exemplo.
“DASEIN” traduz a relação do ser com o próprio ser em sua cotidianidade, o ser que, estando no mundo, está aberto para as possibilidades que surgem. Lembremos que a obra fundamental de HEIDEGGER tem o título “SER E TEMPO”, a bem demonstrar que o “DASEIN” é a representação dessa relação do indivíduo e de sua individualidade com o tempo.
É exatamente no terreno da tutela cautelar que algo semelhante ao que pensou HEIDEGGER pode ser aplicado no processo civil. É o fator tempo impactando as relações jurídicas, entendidas estas em sua essencialidade, colocando as coisas no processo como um “ser-aí” e suas circunstâncias e possibilidades, para que o juiz as faça protegidas.
Não se trata, portanto, de antecipar uma solução no processo, mas de proteger o que nele está ainda em um determinado momento temporal, até que, mais adiante, andando o tempo, o juiz possa decidir, dando razão a quem a tenha, como de há muito ensina CALAMANDREI, o primeiro grande sistematizador do processo cautelar.
Curiosamente, é sob a vigência do CPC/2015 (que, como observado, extinguiu o processo cautelar) que se tem redescoberto a verdadeira importância da tutela cautelar, muito mais do que ocorria durante o tempo em que o CPC/1973 estava em vigor, código que trazia o processo cautelar como um processo autônomo. Simples entender a razão disso: é que o mundo torna-se a cada dia mais complexo, como demonstram as relações econômicas, e isso é terreno fértil para a tutela cautelar. Talvez isso devesse levar o Legislador do CPC/2015 a repensar a extinção do processo cautelar.