PROUST sabiamente deixou para o último livro – “O Tempo Redescoberto” – de seu “Em Busca do Tempo Perdido o exato momento em que cuidaria revelar ao leitor sua técnica e seus mistérios. Falamos em uma postagem anterior sobre a revelação de PROUST sobre como construiu suas personagens. Agora cuidemos daquela revelação que é ainda mais importante.
“(…) Assim, o que acabava de deleitar o ser três ou quatro vezes suscitado em mim, talvez fossem mesmo fragmentos de existência subtraídos ao tempo, mas essa contemplação, embora de eternidade, era fugidia”. Esse trecho está em “O Tempo Redescoberto” e se refere a três episódios, um dos quais o da famosa “madeleine”, em que PROUST tivera a sua memória involuntária ativada, em que ele conseguiu acessar fragmentos de sua existência, de uma existência que para seus contemporâneos era trivial demais para ser contada em um livro, especialmente em livro tão extenso como “Em Busca do Tempo Perdido”.
Esses fragmentos de uma existência subtraída ao tempo, como o conhecido episódio da “madeleine”, são eternos, conquanto são fugidios. Está aí a técnica de PROUST, que consiste em poder recuperar fragmentos de algo que parecia ter ser visto como um “aperçu”, ou seja, como uma olhadela, um olhar rápido e de uma só vez, para logo em seguida esquecer o que se viu. Daí o caráter fugidio de que fala PROUST.
O que nos conduz a um outro célebre francês, ao fotógrafo HENRI CARTIER BRESSON, que operava no mesmo campo de PROUST: no campo do “aperçu”, em que as coisas vistas e entrevistas parecem não ter nenhum significado importante no momento em que são olhadas e fotografadas, mas que se revelam em algum momento distante importantes demais para não poderem deixar de ser lembradas, tornando-se então eternas, como eterno é o livro de PROUST, e como eternas são as fotografias de BRESSON.
Ensinam PROUST e BRESSON que a vida é feita de fragmentos que são subtraídos ao tempo, de um tempo que parecia perdido, mas que se pode reencontrar por meio de uma memória involuntária.