De há muito os processualistas perceberam que, conquanto lutassem pelo reconhecimento da autonomia da ciência do processo civil, a todo o tempo esbarravam com a presença algo desagradável do direito material, que insistia em atrapalhar o reconhecimento da autonomia. O direito material, com efeito, ali estava desde que os romanos puderam compreender a ação como o direito material em posição de luta, direito material cuja existência impõe-se ao direito processual como um elemento indispensável de uma equação. Impossível, portanto, olvidar da influência do direito material quando se trata de analisar os institutos do processo civil.

Mas obviamente varia o grau da influência que o direito material produz sobre o processo civil, como também varia esse grau de influência conforme o tipo de ação processual. Consideremos, pois, a ação de alimentos e o princípio da congruência.

O princípio da congruência, como sabemos, é o princípio que estabelece uma necessária relação entre o pedido e o provimento jurisdicional,  impondo um limite ao juiz, que assim não pode dar na sentença algo que o autor não pediu, como não lhe pode dar algo aquém ou além do que foi pedido. As expressões latinas vem a calhar: “julgamento extra petita” é o que se caracteriza quando juiz julga fora do pedido; “julgamento ultra petita” quando o juiz deu mais do que o autor pleiteou, enquanto “julgamento citra petita” ocorre quando o juiz deu menos do que o que foi pedido. O pedido funciona, portanto, como a medida da sentença, e quando essa medida não é respeitada configura-se a nulidade da sentença.

Mas há ações que apresentam certas peculiaridades que são impostas por características diretamente extraídas da relação jurídico-material, ou seja, do direito material objeto da lide e que trazem um regime jurídico específico quando se trata de aplicar o princípio da congruência entre pedido e sentença. É o que sucede com a ação de alimentos.

Com efeito, na ação de alimentos o juiz pode na sentença fixar um valor superior ao do pedido, sem que a sentença seja nula. Há, pois, um “julgamento ultra petita”, mas sem a nulidade, porque características advindas da relação jurídico-material projetam importantes efeitos no campo do processo civil e que lenificam o rigor com que se deve considerar o princípio da congruência entre pedido e sentença.

O artigo 1.694, parágrafo 1o.,  do Código Civil em vigor (que repete o artigo 400 do Código Civil de 1916) estatui que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Daí o conhecido binômico – necessidade x possibilidade, que, em andando o tempo, tornou-se um trinômio: necessidade x possibilidade x proporcionalidade. Está aí, portanto,  a razão pela qual o juiz pode fixar alimentos em valor superior ao que foi pleiteado pelo autor, sem incidir em nulidade de julgamento. Cabe-lhe, analisando as provas produzidas no processo, definir qual é a situação de equilíbrio entre os elementos que compõem o referido trinômio. E essa situação de equilíbrio pode não ser coincidente com os limites do pedido, sem caracterizar qualquer nulidade da sentença.

 

 

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