Durante um dos momentos mais graves da pandemia entrou em vigor a lei federal 13.988, que é de abril de 2020. Essa lei permitiu que os entes públicos possam fazer transação acerca de seus créditos tributários com os devedores, e que estes possam fazer o pagamento por meio de precatórios, não apenas de precatórios surgidos de ações que esses mesmos devedores tenham ajuizado, senão que precatórios de terceiros que esses devedores adquiriram.

Devedores, aliás, que adquiram de terceiros créditos materializados em precatórios  por valores mui menores do que o crédito em si, dado ter se instalado um verdadeiro comércio envolvendo precatórios, comercializados com um deságio que alcança setenta por cento do crédito real.

Assim, o ente público credor, obrigado pela lei 13.988, recebe como pagamento de seu crédito o precatório, devendo considerar o valor de face do precatório, e não o valor pelo qual foi adquirido. Suponha-se, por exemplo, que o precatório tenha sido adquirido por duzentos mil reais, mas seu valor de face seja de um milhão de reais. A transação será homologada por força do que a referida lei determina, e o precatório será considerado como pagamento ou parte de pagamento no valor de um milhão de reais.

Mas por qual razão o credor originário de um precatório terá querido ceder seu crédito a um terceiro e por um valor que é muito inferior ao que lhe seria pago, caso o precatório viesse a ser pago? Simples: o tempo que ele, credor, terá que esperar para receber seu crédito. Essa demora constitui a razão, a única razão, para que tenha surgido um verdadeiro mercado de precatórios. O liberalismo, como se vê, não encontra obstáculos e se espraia por todo o espaço que existe.

Em vez de o Estado buscar meios de agilizar o pagamento dos precatórios, fixando critérios objetivos que deem ao credor um prazo objetivo para que receba seu crédito, o Legislador aceita de bom grado que a demora é conatural, e trata de criar as condições necessárias a que se instale um mercado em que a moeda principal não é o real, senão que a demora. É a demora a moeda de troca. Quanto mais demorar o pagamento de um precatório, maior o peso na negociação.

Impõe-se, portanto, que a lei federal 13.988 deva ser examinada sob o princípio constitucional da proporcionalidade, de maneira que se decida se ela fez criar uma situação justa ou injusta.

E é manifestamente injusta aos credores originários de precatórios, que, premidos pela urgência, vendem seus precatórios, como injusta também é a situação dos  contribuintes, porque o Poder Público não está, em verdade, a receber seus créditos (e são esses créditos, sobretudo os tributários, que formam as receitas orçamentárias destinadas a áreas tão importantes como são as da saúde e da educação públicas), porque há apenas uma ficção que envolve esse recebimento. O Estado finge que está a receber seu crédito, tanto quanto o devedor finge que está a pagá-lo no valor que consta da transação, porque em verdade está pagando muito menos.

Quanto a conta não fecha, o contribuinte é que acaba por pagar a conta – como sempre, por sinal.

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