Espera o Legislador, e é razoável que assim o espere, que, andando o tempo, os juízes e tribunais interpretem uma norma legal de modo cada vez mais aperfeiçoado, pois que é de se supor que, quando maior o tempo em que está em vigor uma norma, a intelecção de seu conteúdo e alcance seja cada vez melhor. Mas nem sempre o anseio do Legislador é correspondido.
Porque há normas legais que, curiosamente, conquanto tenham recebido desde um primeiro momento, ou seja, desde o instante em que entram em vigor, uma interpretação bastante ajustada ao enunciado da norma e à finalidade para a qual ela foi criada pelo Legislador, com o tempo perdem o predicado da certeza jurídica, que é sempre tão difícil de alcançar, e de manter.
Poucos códigos alcançaram um nível de excelência como é o caso do nosso Código Tributário Nacional, que, em especial em seus artigos 107-112, fixou critérios sólidos e consistentes e que não apenas orientam os juízes e tribunais na árdua tarefa de interpretar as normas legais, tornando menos árdua essa tarefa, senão que lhes dão um guia seguro para que realizem a intepretação, ao dispor que:
“Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”.
E ainda que:
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Com o que determinam aos juízes e tribunais que, em se tratando de normas tributárias, devam observar os princípios e regras e conceitos que são próprios a esse ramo do Direito positivo, o que abarca, por óbvio, as normas legais que fixam o fato gerador e a base de cálculo de tributos em geral.
Daí ter fixado o artigo 110 do Código Tributário nacional deva prevalecer o que a lei tributária fixou a respeito do fato gerador e da base de cálculo dos tributos, devendo prevalecer, portanto, o conceito que a norma tributária tenha fixado, sobrepondo-se ao que outras leis de outros ramos do Direito positivo tenham estabelecido, salvo quando o que estiver nessas leis estiver também na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados-membros e leis orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, não se podendo olvidar que, à exceção da Constituição da República, há limites de competência legislativa a serem observados.
Tudo para dizer que, se uma lei tributária fixou uma determinada base de cálculo, criando um conceito todo próprio, é esse o conceito legal que deve prevalecer, ainda que normas de outros ramos do Direito positivo prevejam o contrário. Apenas se o conceito está também fixado em norma constitucional, é que a norma do Direito Tributário não prevalecerá, e se pode dizer que essa hipótese é algo rara.
Há alguns anos o emérito professor, JOSÉ EDUARDO FARIA, escrevendo em seu livro, hoje infelizmente esquecido, “A Reforma do Ensino Jurídico”, alertava para a deficiência na formação jurídica dos operadores do Direito no Brasil, porque concentrada tão somente no Direito Privado, em que pouquíssimo espaço era dado ao ensino das características e peculiaridades que envolvem os ramos do Direito Público, e dentre eles o do Direito Tributário. Está aí sem dúvida a origem dos problemas com os quais convivemos hoje, em que os operadores do Direito esquecem de considerar as características e peculiaridades que envolvem as normas tributárias, quando as interpretam.