Embora com certo atraso, os operadores jurídicos brasileiros começam a se dar conta de que também o Direito Civil deve ser analisado sob a perspectiva imposta pela Constituição, sobretudo quando se trata dos direitos subjetivos fundamentais, que, alicerçados na liberdade, tendem a colidir e efetivamente colidem, tanto quanto acontece com os direitos subjetivos públicos, o que obriga a utilização do princípio da proporcionalidade como única forma de controle desse tipo de conflito. Assim, por exemplo, a liberdade de contratar, a liberdade de testar, e a liberdade de fixar ou moldar um regime patrimonial de casamento.
Se considerarmos que desde a década de oitenta os civilistas na Alemanha, conduzidos por CLAUS-WILLELM CANARIS, perceberam que sobre as normas do Código Civil devem ser aplicadas as normas constitucionais que preveem os direitos fundamentais, atuando essas normas constitucionais como importante material hermenêutico, e que essa posição doutrinária foi logo em seguida incorporada à jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, podemos então dizer que o Brasil registra um considerável atraso na compreensão de que os direitos subjetivos previstos no Código Civil devem ter seu conteúdo e alcance fixados com base no conteúdo e alcance a serem extraídos das normas que preveem os direitos fundamentais.
Mas a notícia é alvissareira: o atraso está aos poucos a ser eliminado, como comprova o fato de que o Supremo Tribunal Federal irá em breve analisar a “constitucionalidade” da norma do Código Civil que impõe como obrigatória a adoção do regime de separação de bens às pessoas com mais de setenta anos de idade.
O leitor certamente obtemperará que o controle de constitucionalidade é feito no Brasil desde sempre, mais precisamente desde as luminosas ideias de Rui Barbosa e que tinham base no direito norte-americano. Mas o arguto leitor também observará que o termo “constitucionalidade” foi colocado entre aspas, porque se deve observar que, além do controle de constitucionalidade, ou seja, se a norma do Código Civil que fixa como obrigatório o regime da separação de bens é consentânea com o Direito positivo brasileiro, outro controle que o STF poderá e deverá fazer é se, definida a constitucionalidade dessa norma legal, aplicando, então, o princípio constitucional da proporcionalidade, se a norma do Código Civil não estaria a invadir, mais do que seria justo, a liberdade do contraente com mais de setenta anos. Em suma: declarada a constitucionalidade da norma do Código Civil, reconhece-se como válida a posição estatal (da Lei) em fixar como obrigatório o regime de separação; em seguida, analisar-se-á então o conflito entre duas posições jurídicas e dos interesses correspondentes: a do contraente em não querer casar-se sob o regime da separação de bens, e a posição do Estado em querer obrigá-lo a casar sob esse regime. Entram em operação as formas de controle enfeixados no princípio da proporcionalidade, em especial a ponderação de bens.
Lembre-se, por fim, que o princípio da proporcionalidade é sempre aplicado de acordo com as circunstâncias do caso em concreto, diferentemente do que se dá com a questão da constitucionalidade.