Do artigo 1593 do Código Civil a jurisprudência brasileira começa agora a extrair um conteúdo e um alcance que quadram com o objetivo do Legislador, que foi o de criar para além do parentesco natural uma outra modalidade: a do parentesco civil, cuja origem, segundo o referido artigo 1593, é de outra natureza jurídica – a de uma relação socioafetiva.
A filiação passa a ser considerada como um direito fundamental, cuja importância radica na formação da identidade e definição da personalidade, o que significa dizer que o direito à filiação decorrente do parentesco civil deve ser reconhecido como um direito fundamental de matriz constitucional, enfeixado no conteúdo da proteção constitucional conferida à dignidade humana.
Lembremos que o Código Civil é de 2002 e, trazendo importantes modificações em especial nas relações de família, era natural que houvesse a necessidade de que o tempo fizesse seu trabalho de aprofundamento sobre certos temas, como o do parentesco. A primeira etapa, que já foi assimilada pela jurisprudência, estava em compreender que uma coisa é o parentesco natural, outro o civil, e que a tradição do primeiro não podia ser considerada como sempre presente no segundo, de modo que os princípios que se aplicam ao parentesco natural nem sempre se devem aplicar ao parentesco civil.
Esta semana tivemos uma importante decisão emanada do Superior Tribunal de Justiça acerca do parentesco civil em uma ação em que se estabeleceu o direito subjetivo em favor de três irmãos, agora reconhecidos como filhos de sua madrasta, já falecida (Recurso especial 450.566).
Esse julgamento vem confirmar quão avançado no tempo estava o atilado pensamento jurídico de CLAUS-WILHELM CANARIS que, na década de oitenta, insistia na ideia de que os direitos privados deveriam ser examinados sob a perspectiva dos direitos fundamentais, tanto quanto sucedia com os direitos públicos, o que passava pela aplicação do princípio da proporcionalidade. Para os leitores interessados em conhecer do pensamento de CANARIS há no Brasil o livro “Direitos Fundamentais e Direito Privado”, publicado pela editora portuguesa, Almedina.
A decisão judicial não se refere expressamente às ideias de CANARIS, mas elas estão todo o tempo presentes, alicerçando o julgado, e fazendo definitivamente assentado que os direitos de família, em especial o de parentesco, devem ser considerados como direitos fundamentais de matriz constitucional.