O CPC/2015 baniu o uso da palavra “verossimilhança”, que vinha com grande importância no artigo 273, “caput”, do CPC/1973, com a redação que a esse código foi dada pela lei federal 8.952/1994. Dizia o artigo 273: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação”.
Em lugar de dizer “verossimilhança”, o CPC/2015 fala em “probabilidade do direito”. Aliás, “probabilidade” aparece quatro vezes no texto no CPC/2015: além de figurar no texto do artigo 300, a palavra surge no artigo 955, parágrafo único, no artigo 1.012, parágrafo 4o., e no artigo 1.026, parágrafo 1o.. “Probabilidade” é assim utilizada no CPC/2015 quando esse código trata das tutelas provisórias de urgência e na hipótese de se dotarem de efeito suspensivo alguns recursos.
Mas o que terá conduzido o Legislador a banir do texto do CPC/2015 a palavra “verossimilhança”, que, no texto do CPC/1973, era utilizada para estabelecer uma distinção com a “plausibilidade”, esta funcionando como requisito para a tutela provisória de natureza cautelar. Entendia-se naquele código que, para que fosse concedida uma tutela provisória cautelar, bastaria a plausibilidade de que existisse o direito invocado, enquanto para que se concedesse uma tutela provisória de urgência de natureza antecipada o requisito era mais rigoroso: deveria ser verossímil a alegação, e não apenas plausível.
Banido o uso da palavra “verossimilhança”, entrando em seu lugar “probabilidade”, surge a questão de se saber se, para efeitos processuais, e não nos domínios do vernáculo, se são ou não palavras sinônimas. Mas deixemos de lado essa questão, e vamos a uma outra, porque nos interessa compreender não o que entrou no lugar, mas porque saiu do texto legal a verossimilhança
Seguindo o sentido clássico da palavra “verossimilhança”, talvez possamos avançar um pouco nas pistas que revelam o que estaria por detrás da intenção do Legislador em banir o uso dessa palavra. Vamos às fontes iniciais, que não estão no processo civil, mas em ARISTÓTELES.
ARISTÓTELES, ao tratar em sua “Arte Retórica e “Arte Poética”, estabeleceu como verossímil aquilo que, em um texto, não contradiz, nem pode contradizer o que a tradição fixa, entendendo-se por tradição o que os Sábios haviam dito, falado e escrito sobre uma coisa, surgindo aí a opinião pública. Verossímil é, portanto, segundo ARISTÓTELES, o que não contradiz essa opinião pública.
Mas é importante observar que o verossímil não corresponde necessariamente àquilo que foi em termos de história, mas deve corresponder àquilo que a opinião pública considera ou julga possível ter ocorrido, e que, no final das contas, pode ser muito diferente do realmente acontecido. Os dicionários em geral registram “verossímil” como o que parece verdadeiro, que é possível ou provável por não contrariar a verdade, sentidos que quadram com as ideias de ARISTÓTELES.
Se transportarmos as ideias de ARISTÓTELES ao processo civil, podemos dizer que verossímil é aquilo que o juiz considera como possível de ter ocorrido, embora não exclua a possibilidade de que a realidade venha a não corresponder ao que foi tido como verossímil. É de se notar que, segundo a tradição aristotélica, a verossimilhança exige que exista algo, aprovado pela ciência, pelo bom-senso, ou pela opinião pública, que referende aquilo que se pode considerável como verossímil. Há aí um rigor que não pode ser desprezado, e que funcionava muito bem no processo civil, como a lembrar ao juiz que verossímil não é aquilo que ele, a seu livre querer, entenda verossímil, mas apenas aquilo que tenha alguma base na ciência ou na opinião pública, que sobre a ciência se tenha formado, como sucede com a opinião dos doutrinadores e os julgados que integrem uma jurisprudência consistente.
Banido o uso da palavra verossimilhança no CPC/2015, desapareceu o compromisso do juiz com a opinião firmada pela doutrina e jurisprudência, o que explica que, em muitas tutelas provisórias de urgência, a decisão limite-se a empregar expressões vazias de qualquer sentido.
Chegamos à razão que pode explicar o banimento da palavra “verossimilhança” no CPC/2015: é que amarrado com o valor da efetividade, não tinha o Legislador como exigir a verossimilhança. Mas, paradoxalmente, o CPC/2015 faz de tudo para tornar vinculante a jurisprudência. O busílis está em como tornar vinculante uma jurisprudência que não tenha sido construída com o rigor que é imposto pela verossimilhança?