Com essa denominação – “sucessão processual do sócio”, engendrou-se na jurisprudência uma inusitada figura compósita entre o direito material e o direito processual, para autorizar que sócios tenham a sua esfera jurídico-material-processual alcançada por efeitos de execução promovida contra empresas extintas. Tratar-se-ia de aplicar, por analogia, dois artigos do CPC/2015: o artigo 110 – que regula a sucessão no processo civil das partes em caso de morte – e o artigo 779, inciso II – que dispõe sobre a legitimidade passiva na execução.
A aplicação desses dispositivos, para a criação da figura da “sucessão processual do sócio”, é o resultado da analogia. Vejamos o que é a analogia e se é caso de aplicá-la na hipótese.
Segundo o grande jusfilósofo e civilista alemão, KARL LARENZ, consiste a analogia em que a regra contida na lei e prevista para uma determinada hipótese deva ser aplicada de modo semelhante a uma circunstância não regulada, havendo, pois, uma relação de mútua semelhança entre a hipótese legalmente prevista e aquela que não conta com previsão legal, justificando que se aplique a mesma norma a uma e outra hipóteses. Também se caracteriza a analogia, diz LARENZ, se dentre várias regras com uma mútua concordância na lei para circunstâncias análogas, é possível extrair-se um princípio (não uma regra) que se possa aplicar a uma hipótese não alcançada expressamente por uma norma.
Enfatiza LARENZ em seu livro “Derecho Civil – Parte General”, que a mútua semelhança entre as hipóteses deve recair em aspectos decisivos que envolvem a norma legal a ponto de justificar que, por meio da analogia, colmate-se a lacuna deixada pelo legislador.
Mas no caso da novel figura da “sucessão processual do sócio” não se está a aplicar a analogia, senão que se está a criar uma nova norma, com seu conteúdo formado por uma indevida reunião de duas normas legais destinadas a situações totalmente distintas daquelas que justificariam o emprego da analogia.
Com efeito, a norma do artigo 110 é de natureza exclusivamente processual e que tem por fim regular a hipótese em que ocorre o falecimento de qualquer das partes, caso em que se deve proceder à sucessão da parte falecida no processo, a se dar por meio do espólio ou dos sucessores, na hipótese em que o direito material seja transmissível.
Já a norma do artigo 779 do CPC/2015 trata da legitimação passiva na execução, legitimação que, tanto quanto ocorre no processo de conhecimento, é extraída dos dados que compõem a relação jurídico-material objeto da ação. Daí estabelecer o inciso II do artigo 779 que a execução pode ser promovida contra o espólio, herdeiros e sucessores do falecido. Importante observar que essa norma reproduz literalmente o que o artigo 568, inciso II, do CPC/1973 previa, e durante a vigência desse código jamais se discutiu quanto a ter o legislador processual se utilizado de conceitos vindos do Código Civil e de seu direito sucessório, quando a norma fala em “espólio”, “herdeiros” e “sucessores do devedor”, não dando azo a que o intérprete extraia dos termos legais outro sentido que não aquele fixado pelo Código Civil em suas normas de direito sucessório. Quando se fala, pois, no artigo 779, inciso II, em “devedor”, está a se falar apenas na pessoa física e em seus herdeiros e sucessores, quando ocorre o falecimento do devedor, substituído na execução por eles.
Portanto, não há nenhuma razão que legitime o emprego da analogia para a criação da compósita figura da “sucessão processual do sócio”, não havendo entre as normas dos artigos 110 e 779, inciso II, do CPC/2015 nenhuma relação de mútua semelhança que autorize o intérprete a formar com o conteúdo de cada uma dessas normas uma outra norma, e que legitime aplicar a uma situação processual e material totalmente diversa, como é a que envolve a extinção de uma pessoa jurídica, o que CPC/2015 prevê como de aplicação circunscrita ao fenômeno do falecimento da parte quando pessoa física.