Como observou com acuidade, Olímpio de Sousa Andrade, o Positivismo no Brasil foi menos uma filosofia que um sistema religioso e uma força de ação política e de organização social (“História e Interpretação de ‘Os Sertões”). Essa particular perspectiva sob a qual o Positivismo foi compreendido no Brasil projetou efeitos também sobre o  Positivismo Jurídico brasileiro, e isso explica a volúpia do Legislador do nosso tempo presente em querer fazer dotar de um caráter normativo decisões judiciais que, a rigor e por natureza, poderiam, quando muito, servir como material hermenêutico noutra ação, quando se estivesse ali a discutir-se acerca da mesma questão jurídica. Essa ânsia do Legislador, analisada sob a compreensão de como o Positivismo sempre operou no Brasil, é que explica  existam as súmulas vinculantes e as teses jurídicas dotadas de caráter vinculante.

Devemos considerar que é da essência do Positivismo o interesse em organizar o mundo, e não o de especular sobre ele. Esse interesse é fortemente compartilhado pelo Positivismo Jurídico e que se reflete na ideia de que se deve limitar, tanto quanto possível, o campo hermenêutico do juiz, a quem caberia apenas aplicar a norma legal como ela esta posta pelo Legislador,  sem poder especular sobre seu conteúdo, alcance e finalidade.  As súmulas vinculantes e as teses jurídicas dotadas de caráter vinculante cumprem exatamente esse papel: o de  organizarem o mundo segundo uma determinada visão,   sem permitir qualquer espaço à especulação pelo juiz do que diz ou deveria dizer a norma legal, interpretada de acordo com as circunstâncias do caso em concreto.

No recente episódio envolvendo o julgamento pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça da questão da taxatividade de tratamentos médicos em contratos de saúde esse fenômeno revelou-se nitidamente presente. Conquanto não tivesse sido dotada de efeito vinculante a decisão emanada por aquele Tribunal Superior, muitos operadores do Direito pensaram como pensa um positivista, querendo ver naquele julgamento uma forma pela qual se estaria a organizar o “mundo” dos planos de saúde, suprimindo do juiz a possibilidade de analisar as circunstâncias do caso em concreto, para poder decidir se um determinado tratamento ou remédio deve ou não ser fornecido pela operadora do plano de saúde.

A taxatividade não foi imposta naquele julgamento e nem o poderia ser pela simples razão de que a relação jurídico-material que forma as demandas que o usuário de um plano de saúde ajuíza contra as operadoras de plano de saúde, quando questiona acerca da cobertura contratual, nessas demandas, com efeito, está em questão um valor jurídico de alto significado no Ordenamento Jurídico em vigor, como é o direito à saúde, que possui matriz constitucional.

Destarte, quando está sob análise em processo judicial um valor jurídico dessa grandeza e importância, é impossível, pela natureza imanente de um Estado de Direito,  suprimir do juiz o poder de decidir com uma acentuada margem de liberdade que é lhe conferida pelo exame das circunstâncias e peculiaridades que estão envolvidas no caso em concreto, porque está aí em questão a aplicação do princípio do devido processo legal “substancial”, sem o qual não pode haver legitimamente um Estado de Direito.

Apenas um enraizado sentimento produzido pelo Positivismo no Brasil é que pode explicar a posição de alguns ao defenderem que a taxatividade teria sido imposta com caráter vinculante por aquele Tribunal Superior.

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