O CPC/2015 trata com muito maior rigor a sentença, se compararmos o que está previsto no artigo 489 do Código em vigor com o que estatui o artigo 458 do CPC/1973. Determina o artigo 489, parágrafo 1o., do CPC/2015 que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que empregue conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso em concreto, como também nula por falta de fundamentação é a sentença que indique motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão.
A respeito desse importante tema, trazemos voto em situação na qual se revelava a nulidade da sentença sob um aspecto que, no CPC/1973, não caracterizaria a nulidade.
“Pelo meu voto, dou provimento ao recurso de apelação para reconhecer a nulidade formal da sentença, por considerá-la não devidamente fundamentada, segundo o rigor que é exigido pelo artigo 489, parágrafo 1º., incisos III e V, do CPC/2015.
Analisemos a sentença, em particular o trecho que está a folha 341, em que o magistrado peremptoriamente afirma que a ré omitira da parte autora a informação acerca da utilização da Tabela Price, valorando o magistrado essa omissão como uma prática que é vedada por lei e, desenvolvendo seu raciocínio nesse contexto, o magistrado afirma que seu entendimento era no sentido da “impossibilidade de tal procedimento pela ré”, a bem demonstrar que considerava ter havido infração às normas do regime de proteção do Código de Defesa do Consumidor e que isso constituía nulidade da cláusula contratual, tendo ainda o magistrado deixado evidente em seu texto que estava a analisar a demanda segundo esse regime jurídico-legal, o que, portanto, obrigava-o a considerar os princípios e regras de natureza processual específicos a esse regime, como é o caso do que prevê o inciso VIII do artigo 6º. do Código de Processo Civil.
A nulidade formal da sentença radica no magistrado não a ter fundamentado conforme exige o artigo 489, parágrafo 1º., incisos III e V, do CPC/2015. Senão vejamos.
De acordo com o referido inciso III, parágrafo 1º. do artigo 489, deve-se considerar nula a sentença porque não devidamente fundamentada, na hipótese em que o juiz tenha indicado motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão, o que sucede no caso presente, porquanto ao valorar como uma prática contrária à lei a ré ter sonegado do autor uma informação essencial sobre o conteúdo e alcance do contrato, e deixando claro que no seu entender se tratava de uma causa apta a declarar a nulidade da cláusula, como, de resto, o mesmo magistrado reconhecera ter feito em outros casos, de inopino ele impôs uma brusca mudança de direção na linha de seu raciocínio, chegando a uma conclusão que, observado o princípio da coerência, não é válida sob o aspecto de uma lógica formal.
Poder-se-ia argumentar que o magistrado esclareceu a razão pela qual guinara sua conclusão para deixar de ver nulidade onde antes a tinha visto, ao dizer na sentença que se curvava a precedentes jurisprudenciais. Mas nesse caso estava obrigado a demonstrar que o caso que estava a julgar ajustava-se aos fundamentos fático-jurídicos desses precedentes, bem assim a indicar seus fundamentos determinantes, pois que isso o obrigava o artigo 489, parágrafo 1º., inciso V, do CPC/2015. Importante sublinhar que os precedentes a que o magistrado refere-se na sentença não se amoldam àqueles previstos no artigo 927 do CPC/2015.
Destaque-se o grande avanço de nossa legislação processual civil no tratamento que o CPC/2015 conferiu ao capítulo da sentença, se compararmos o que prevê seu artigo 489 com o singelo artigo 458 do CPC/1973. Aspectos que envolvem a coerência lógica e lógico-jurídica passaram a constituir requisitos essenciais da sentença, cuja ausência acarreta nulidade. Como afirma a eminente Ministra, NACY ANDRIGHI, “Uma sentença não se interpreta exclusivamente com base em seu dispositivo. O ato de sentenciar representa um raciocínio lógico desenvolvido pelo juízo, que culmina com a condenação contida no dispositivo. Os fundamentos, assim, são essenciais para que se compreenda o alcance desse ato”. (STJ, 2ª. Seção, AR 4.836, jul. 25/9/2013).
Conquanto se deva reconhecer o esforço do legislador do CPC/2015 em fazer do juiz em diversas situações um personagem do processo que está obrigado a empregar uma linguagem neutra (como diria ROLAND BARTHES no campo da Semiologia), vinculando-o a chancelar posições jurisprudenciais, sem poder sobre elas refletir, felizmente isso não constitui uma regra geral, porque há ainda espaço para que o juiz exercite seu raciocínio, e quando esse espaço existe, ele está obrigado a fundamentar suas decisões e sentenças, sobretudo quando a demanda está sob um específico regime jurídico-legal de proteção, como é o regime do Código de Defesa do Consumidor, cujos princípios e regras em natureza processual são de acentuada relevância no desimplicar das demandas.
Por fim, cuido adscrever que a hipótese de nulidade de sentença aqui reconhecida não está prevista em qualquer dos incisos do parágrafo 3º. do artigo 1.013 do CPC/2015, o que significa dizer que outra sentença deva ser proferida pelo magistrado de primeiro grau.
É como voto.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE