Sustentamos aqui, noutra publicação, a tese de que se há aplicar aos contratos de plano de saúde, como material hermenêutico, a norma constitucional do artigo 196 (“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”), o que conduz o intérprete a considerar o contrato de plano de saúde como um contrato em que a proteção à saúde é o valor jurídico mais importante. Antes, pois, de ser uma relação de consumo, o contrato de plano de saúde é um contrato que versa sobre um bem – a saúde – que é um valor constitucionalmente protegido, o que obsta que se atribua um caráter taxativo à lista de procedimentos e de insumo fixada pela agência reguladora, porque a proteção à saúde pode, no caso em concreto, legitimar a decisão judicial que obrigue a operadora do plano de saúde a fornecer um procedimento cirúrgico, um medicamento ou um insumo que não estejam dentro do rol.

Mas há um outro lado da questão que também é importante considerar. Refiro-me à questão econômica que está envolvida na mantença do negócio explorado pelas operadoras de plano de saúde. Com efeito, se não há taxatividade no rol fixado pela agência reguladora, se isso quer dizer que o usuário do plano de saúde pode, ajuizando uma ação judicial, obter o que o contrato não lhe dava, há um risco econômico que é tão variável, quanto impossível de quantificar, e obviamente que essa situação fará com que as operadoras de plano de saúde trabalhem com o imponderável, e quando o fazem, ou aumentam seus custos e preços, ou deixam de comercializar aquele produto, no caso, aquele tipo de contrato de plano de saúde, o que explica a diminuta oferta de planos de saúde individuais, pela simples razão de que os reajustes nesse tipo de contrato são feitos de acordo com os índices fixados pela agência reguladora (a ANS).

Quando tratamos dos direitos fundamentais que impõem uma prestação ao Estado, como se dá no direito fundamental à saúde, temos que analisar o que a doutrina denomina de “reserva do possível”, ou seja, qual o limite orçamentário a que o Estado pode chegar para cumprir uma ordem judicial. É o fator econômico atuando no Direito e o limitando. Da mesma forma temos que pensar no fato econômico tanto na questão que envolve a taxatividade do rol em planos de saúde, quanto nos reajustes aplicados no contrato.

Destarte, conquanto deva o Poder Judiciário aplicar como material hermenêutico o artigo 196 da Constituição, quando esteja a interpretar as cláusulas de contrato de plano de saúde, isso não significa dizer que esteja desobrigado a analisar a questão do equilíbrio econômico-financeiro na relação contratual. É a mesma teoria da “reserva do possível” que se invoca quando se impõe ao Poder Público o cumprimento de uma medida jurisdicional, e que nos contratos de plano de saúde obriga que se considere a questão do equilíbrio econômico-financeiro do próprio negócio e do contrato de plano de saúde.

Dizer que a lista de procedimentos não pode ser taxativa porque subjaz a ela a proteção ao valor jurídico saúde não quer dizer que ela não exista, ou que não deva ser considerado o contrato como obrigatório e vinculante às partes. Significa apenas dizer que, conforme as circunstâncias do caso em concreto, a lista poderá ou não ser taxativa, em um juízo de ponderação que o magistrado terá que fazer, e no contexto do que deve também considerar a questão que diz respeito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Uma ponderação entre os interesses em conflito deve ser abrangente de modo que se deva analisar se o medicamento é ou não indispensável, sem descurar da capacidade econômica da operadora em fornecer um medicamento que, não sendo obrigatório, não entrou na composição dos preços do plano de saúde.

Portanto, a mesma ponderação deve ser feita no caso de reajustes em contrato de plano de saúde. Para que se possa afirmar que um determinado reajuste é desarrazoado,  é indispensável  conhecer a realidade econômica do negócio e do contrato de plano de saúde.

“Não há café grátis”, costumam dizer os economistas. Com efeito, quando uma decisão judicial acarreta riscos econômicos que não podem ser quantificados com alguma precisão, como se dá com o afastar, sem razão justa, a taxatividade no rol de procedimentos, ou o infirmar um reajuste contratualmente previsto, a solução é uma só: aumentar os preços em níveis tão significativos que somente alguns poderão pagar pelo “café”, com todos os efeitos que envolvem a desigualdade em uma área tão importante quanto é o da saúde.

 

 

 

 

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