Comparemos o enunciado do artigo 300 com o do artigo 995, parágrafo único, ambos do CPC/2015, com o objetivo de interpretar o conteúdo e o alcance de duas expressões que aparecem nesses dispositivos legais.

“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

“Art. 995. Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso”.

“Probabilidade do direito” e “probabilidade de provimento do recurso” são expressões cujo sentido é equivalente? É a questão que trataremos aqui.

Para a concessão de uma tutela provisória de urgência (cautelar ou antecipada), exige o artigo 300 que o juiz identifique, em cognição sumária, a presença da probabilidade do direito subjetivo invocado.

No caso da concessão de medida liminar em recurso, exige o artigo 995, parágrafo único, que o relator identifique, também em cognição sumária, a probabilidade de provimento do recurso.

À partida, parece que ambas as expressões devam equivaler-se, na medida em que, se é provável que o direito subjetivo exista, seria provável, por uma questão lógica,  que se venha dar provimento ao recurso. Mas não é bem assim.

Quando o artigo 300 exige como requisito legal para a concessão da tutela provisória de urgência a probabilidade da existência do direito subjetivo invocado, está a exigir que o juiz perscrute acerca do direito subjetivo em si, no sentido de analisar se é ao menos juridicamente plausível que o direito subjetivo venha a ser declarado como existente, o que determina considere aspectos nucleares que envolvem e formam o direito subjetivo invocado pela parte.

Já no caso da medida liminar concedida pelo relator, ao exigir o parágrafo único do artigo 995 que se identifique a probabilidade de provimento do recurso, está a norma legal a impor ao relator considere não o direito subjetivo em si, mas se acerca dele a jurisprudência de sua turma, câmara de seu tribunal ou de outro tribunal esteja a se mostrar consistente no sentido de reconhecer esse direito, ainda que a sua posição pessoal como juiz não seja coincidente com a posição majoritária da jurisprudência. Poderá suceder, portanto, que exista uma diminuta chance de o recurso vingar, malgrado o relator concorde com a tese do recorrente. Nesse caso, a medida liminar não deve ser concedida pelo relator, porque o requisito da probabilidade de provimento ao recurso não se configura presente na hipótese.

Ou seja, a probabilidade é de ser aferida com relação ao suposto direito subjetivo invocado no caso do artigo 300, enquanto essa probabilidade é de ser aferida com base na expectativa do sucesso do recurso, quando se trata de medida liminar que esteja a ser examinada pelo relator de recurso. Como o elemento que atua como critério de aferição é diverso (“direito subjetivo” e “resultado do recurso”), as expressões legais não se equivalem, e o resultado da interpretação não é o mesmo.

Trata-se de uma aplicação prática do princípio que norteou o CPC/2015: o de prestigiar, tanto quanto possível, a prevalência da jurisprudência dominante como critério de julgamento, sobretudo em segundo grau. Institutos como os da súmula vinculante e o das teses fixadas em incidente de resolução de demandas repetitivas foram criados com a mesma finalidade da regra do artigo 995, parágrafo único, do CPC/2015, portanto.

Basta ler a exposição de motivos ao CPC/2015 e verificar o acentuado número de vezes em que a palavra “efetividade” ali surge, para constatar que esse valor – o da efetividade – é o valor primordial no novo código, o que explica que, no caso dos recursos, tenha o legislador fixado como requisito para a concessão de efeito suspensivo ou ativo o grau de probabilidade de êxito do recurso, e não a probabilidade de o direito subjetivo existir ou não.

Importante observar, outrossim, que, no caso particular do recurso de apelação, o legislador não observou no todo a regra geral do artigo 995, parágrafo único, do CPC/2015, pois que, ao cuidar do efeito suspensivo em recurso de apelação, prevê que essa suspensão possa ser determinada pelo relator quando houver “probabilidade de provimento do recurso”, mas não apenas nessa hipótese, senão também quando se revelar “relevante a fundamentação”, o que autoriza concluir que, para a concessão do efeito suspensivo em recurso de apelação, a probabilidade do direito constitui requisito legal, remetendo ao que prevê o artigo 300 do CPC/2015.

 

 

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