Há regras legais cuja existência é marcada por uma curiosidade: surgem e muitos dos operadores do Direito levam bastante tempo para identificar seu real conteúdo e alcance. Esse fenômeno costuma ser comum quando se trata de um código novo.

É o que está a ocorrer com a regra do artigo 134, parágrafo 2o., do Código de Processo Civil de 2015, e se refere ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica. O texto da norma é o seguinte: “Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica”.

Como sabe o leitor, o CPC/2015 avocou para si a regulação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, prevendo que, se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, nessa hipótese não se fará instaurar o incidente, de modo que a discussão sobre se deve haver ou não a desconsideração da personalidade jurídica ocorrerá nos autos da própria ação. Pode parecer que, pensando na economia processual e apenas nela, é que o legislador do CPC/2015 entendeu que seria conveniente dispensar a formação de um incidente. Tratar-se-ia, pois, de uma regra de conteúdo meramente formal. Ledo engano!

Ao trazer para o texto e contexto da peça inicial a matéria que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica, o CPC/2015 fez gerar um importante efeito: a possibilidade de a tutela provisória de urgência de natureza cautelar ser concedida na ação, para abranger a análise dos pressupostos legais quanto à desconsideração da personalidade jurídica, que assim pode ter seus efeitos produzidos imediatamente, no caso de a tutela provisória de urgência ser concedida.

Suponha-se, a título de exemplo, que, promovida uma ação de execução fundada em título executivo judicial, o exequente pugne na peça inicial que se desconsidere a personalidade jurídica do sócio de uma outra empresa, alegando haver uma fraude pela qual se fez criar um grupo econômico que, legalmente, contudo não exista. Como se sabe, o juiz pode conceder no processo de execução tutelas provisórias de urgência quando houver uma situação de risco concreto. O arresto é uma providência cautelar bastante usual em processos de execução. Pode ocorrer, portanto, que o credor, na peça inicial da execução fundada em título executivo extrajudicial, formule pedido de concessão de uma tutela provisória de urgência de natureza cautelar para que efeitos decorrentes da desconsideração da personalidade jurídica sejam imediatamente implementados, como, por exemplo, o arresto de bens de quem deva ser citado para o pedido de desconsideração da personalidade jurídica.

Destarte, diante da regra do artigo 134, parágrafo 2o., do CPC/2015, prevendo que  a desconsideração da personalidade jurídica seja objeto de pedido na peça inicial da ação de execução, é possível que o juiz conceda a tutela provisória de urgência de natureza cautelar não apenas em face da causa de pedir e do pedido formulado na ação de execução, alcançando o patrimônio do executado, mas também no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica,  bastando que identifique, em cognição sumária, a presença dos requisitos inerentes à tutela cautelar (plausibilidade jurídica e “periculum in mora”), para decretar o arresto de bens de um “terceiro” (daquele em face do qual se pede a desconsideração da personalidade jurídica).

A regra do artigo 134, parágrafo 2o., do CPC/2015 não se limita, portanto, a aspectos puramente formais e de economia processual, trazendo uma sensível modificação no regime das tutelas de urgência no processo de execução.

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