Devemos ao genial filósofo alemão, FRIEDRICH NIETZSCHE (1844-1900), a compreensão do que é e deve ser, em sua essência, a interpretação, tema que é sempre caro aos operadores do Direito, sobretudo aos juízes, porque estes detém o poder de realizar a interpretação oficial aplicada a um caso sob seu julgamento. NIETZSCHE enfatiza que interpretar um texto não é lhe dar ou extrair um sentido que seja apenas justificado, senão que é reconhecer o intérprete que o texto que está a interpretar é sempre um texto plural, dada a série de possibilidades que dele surgem.

É nesse contexto, e tomando de empréstimo o que ROLAND BARTHES escreveu a respeito da interpretação, que devemos analisar o que está a ocorrer com o juiz brasileiro, que, diante de súmulas vinculantes (já em número de 56), e especialmente em virtude das inúmeras teses jurídicas fixadas por diversos tribunais em incidente de resolução de demandas repetitivas, foi transformado em um “leitor” das normas constitucionais e legais objeto dessas súmulas e teses jurídicas. E como “leitor”, o juiz não pode ser um produtor de significados das normas que, por sua missão constitucional, cabe interpretar. A interpretação deixa de ser plural.

Está a ocorrer com o direito positivo brasileiro, pois, semelhante fenômeno que BARTHES identificou no campo da literatura, formada hoje por uma grande massa de livros “legíveis”, em que o texto não permite que o leitor o “escreva”, que se transforme em um produtor de sentidos. Diz BARTHES: “(…) o que está em jogo no trabalho literário (na literatura como trabalho) é fazer-se do leitor não só um consumidor, mas um produto do texto. (…). Este leitor cai assim numa espécie de ociosidade, de intransitividade, e, enfim, de seriedade: em vez de entrar no jogo, de ter pleno acesso ao encantamento do significante, à volúpia da escrita, do quinhão tem apenas a mísera liberdade de receber ou rejeitar o texto: a leitura já não é apenas um referendum. A par do texto escrevível estabelece-se, então, o seu contra-valor, o seu valor negativo, reativo: o que pode ser lido, mas não escrito: o legível. Chamamos clássico a todo o texto legível”. (“S/Z”, p. 12, edições 1970).

O preciso texto de BARTHES, conquanto pensado no campo da Semiologia, aplica-se com uma luva ao que sucede com o texto das súmulas vinculantes e das teses jurídicas, texto que retira do juiz o poder de considerar o texto de uma norma constitucional ou legal como um texto plural, retirando-lhe a compasso o poder de ser um produtor de sentidos. O juiz é, assim, transformado em um mero leitor desses textos. Ele pode ler, mas não pode escrever esses textos.

Mas a quem interessa transformar o juiz em um mero leitor? A Economia dirá que a segurança jurídica é um valor primordial e em nome dela se justifica suprimir do juiz o poder de produzir significados a partir de uma norma constitucional ou legal com a qual esteja a lidar. Respondemos que a segurança jurídica é um valor menos importante do que o valor do Estado de Direito, e não há um legítimo Estado de Direito quando a interpretação pelo juiz não pode ser plural.

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