O Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, declarar a inconstitucionalidade de dispositivos que compõem a chamada “Reforma Trabalhista”, aprovada por meio da lei 13.467, em 2017. A inconstitucionalidade incide sobre dispositivos que tratam da gratuidade e de seus efeitos em processos da competência da Justiça do Trabalho.

Com efeito, a lei 13.467 havia feito importantes modificações no regime jurídico-legal da sucumbência e da gratuidade, tal como esse regime estava fixado na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Uma das modificações introduzidas dizia respeito à responsabilidade pelo pagamento de honorários periciais, dispondo o artigo 790-B o seguinte: “A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita”. E o parágrafo 4o. desse mesmo artigo 790-B dispunha que: “Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo”.

A lei 13.467 também havia feito mudanças nos honorários de advogado, pois que o artigo 791-A, em seu parágrafo 4o., previa: “Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário”.

Analisando, pois, a constitucionalidade das modificações produzidas na CLT pela lei 13.467, decidiu o STF acoimá-las por considerar que esse o regime jurídico-legal de sucumbência afrontava a norma constitucional que prevê a gratuidade, fixando-lhe seus efeitos. Entendeu o STF que as referidas normas da CLT, ao condicionarem a manutenção da gratuidade  a não obter o autor da reclamação trabalhista crédito noutro processo, violava a norma constitucional que garante o direito fundamental à gratuidade da justiça, de modo que as normas da lei 13.467/2017, declaradas inconstitucionais, perdem sua vigência, validez e eficácia, o que significa dizer que a mantença da gratuidade não pode ser condicionada ao recebimento de créditos noutro processo.

Mas diante desse julgamento, surge uma interessante questão, pois que o CPC/2015 prevê o seguinte em seu artigo 98, parágrafo 3o.: “Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário”. Ou seja, se o beneficiário da gratuidade, sucumbindo, vier a ter a sua situação financeira modificada dentro de cinco anos, contados do trânsito em julgado do processo em que obteve a gratuidade, de modo que, modificada a sua situação financeira, pode, segundo a norma em questão, ser responsabilizado pelos encargos da sucumbência, cessando por tal motivo a condição suspensiva de exigibilidade da gratuidade. Note o leitor que o dispositivo do CPC não discrimina, nem individualiza o tipo de crédito que o beneficiário da gratuidade terá recebido e em função do qual teve a sua financeira modificada, de modo diverso do que fazia os dispositivos introduzidos na CLT pela lei 13.467/2017, que se referiam particularmente a créditos gerados noutro processo.

Nesse contexto, a questão que se coloca é exatamente esta: as normas do CPC/2015 aplicam-se subsidiariamente aos processos trabalhistas, de maneira que a norma do artigo 98, parágrafo 3o., do CPC/2015 aplica-se a esses processos, e por isso a eles se aplica a mesma condição de eficácia de suspensão de exigibilidade quanto à responsabilidade por sucumbência; e se a regra do artigo 98, parágrafo 3o., não discrimina e não especifica o que deu causa à modificação da situação financeira do beneficiário da gratuidade, bastando exista essa modificação, não estaria a norma legal a abranger o fato de a modificação da situação financeira decorrer do recebimento de crédito noutro outro processo?

Assim, a situação do beneficiário da gratuidade no processo trabalhista terá, em face da inconstitucionalidade de dispositivos da CLT, e da aplicação subsidiária do código de processo civil, nomeadamente de seu artigo 98, parágrafo 3o., essa situação processual terá em certa medida sido agravada, considerando que, por força da referida norma do CPC/2015, a suspensão de exigibilidade perdura por cinco anos (quando, segundo a norma da reforma trabalhista era de dois anos), e além disso, qualquer significativa modificação na situação financeira do beneficiário da gratuidade causará a revogação do benefício e a execução dos encargos de sucumbência, especialmente honorários de advogado, quando a norma da reforma trabalhista estabelecia apenas o recebimento de crédito em processo judicial como causa suficiente para a revogação da gratuidade. Suponha-se, por exemplo, que o beneficiado pela gratuidade, mas sucumbente em processo trabalhista, venha a receber, por via extrajudicial, uma herança em valor que modifique sua situação financeira. Segundo a norma do CPC/2015, esse crédito, e qualquer outro, desde que recebido em cinco anos, enseja a revogação do benefício. Essa mesma situação – o recebimento de herança por via extrajudicial -, segundo a norma da reforma trabalhista não seria de molde a fazer com que a gratuidade fosse revogada.

 

 

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