“Seção IV
– Da Gratuidade da Justiça
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 1º A gratuidade da justiça compreende:
I – as taxas ou as custas judiciais;
II – os selos postais;
III – as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
IV – a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V – as despesas com a realização de exame de código genético – DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI – os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
VII – o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
VIII – os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
§ 2º A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.
§ 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
§ 4º A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas.
§ 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
§ 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
§ 7º Aplica-se o disposto no art. 95, §§ 3º a 5º, ao custeio dos emolumentos previstos no § 1º, inciso IX, do presente artigo, observada a tabela e as condições da lei estadual ou distrital respectiva.
§ 8º Na hipótese do § 1º, inciso IX, havendo dúvida fundada quanto ao preenchimento atual dos pressupostos para a concessão de gratuidade, o notário ou registrador, após praticar o ato, pode requerer, ao juízo competente para decidir questões notariais ou registrais, a revogação total ou parcial do benefício ou a sua substituição pelo parcelamento de que trata o § 6º deste artigo, caso em que o beneficiário será citado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se sobre esse requerimento”.
Comentários: optou o legislador do CPC/2015 por regular, aliás extensamente, o instituto da gratuidade no processo civil, diversamente do que sucedia no CPC/1973, que remetia essa regulação à Lei federal 1.060/1950 (a “Lei da Gratuidade”), de modo que, em face das disposições do CPC/2015, mantém-se a vigência, a validez e a eficácia da lei federal 1.060/1950, mas tão semente naquilo em que não houver divergência em face da lei superveniente (o CPC/2015). A rigor, seria melhor que o Legislador tivesse procedido a modificações diretamente no texto da lei de 1960, visto que a mantém como válida.
PESSOA JURÍDICA: durante muito tempo controverteu-se na jurisprudência brasileira acerca do direito de a pessoa jurídica obter a gratuidade. A lei 1.060 referia-se genericamente à condição de parte, mas agora, em face do artigo 98, que expressamente se refere à pessoa jurídica, essa controvérsia cessará definitivamente. Frise-se que antes mesmo da entrada em vigor o CPC/2015, a maioria da jurisprudência já entendia que o benefício também poderia ser concedido à pessoa jurídica.
ATOS PROCESSUAIS: o legislador cuidou enumerar, de modo exemplificativo, os atos em relação aos quais a gratuidade deve produzir efeitos. Segundo o parágrafo 1o. do artigo 98, a gratuidade abarca a taxa judiciária e diversas despesas processuais, como, por exemplo, os honorários periciais. Mas há que se entender como regra geral, diante de uma relação que é apenas exemplificativa, que todo ato praticado no processo civil brasileiro que envolva despesa está alcançado pela gratuidade. Há exceções, mas elas devem ser consideradas como excepcionais. Observe-se que, segundo o parágrafo 5o. do artigo 98, a gratuidade pode ser parcial, seja quanto a determinados atos processuais, seja quanto à redução no valor que deveria ser adiantado como despesa processual. E o parágrafo 6o. autoriza ao juiz conceda à parte o direito a parcelar o valor da despesa processual, quando tiver sido concedido o benefício da gratuidade.
ATOS REGISTRAIS: nalgumas situações existe a obrigação legal de a decisão ou sentença ser levada a registro em cartórios extrajudiciais, e o registro faz incidir emolumentos, segundo a respectiva lei. Esses atos registrais estão abarcados pela gratuidade, mas o serventuário pode requerer ao juiz do processo em que a gratuidade foi concedida que avalie a hipótese de revogar o benefício, desde que o serventuário demonstre que a parte não faz jus à gratuidade, instaurando-se uma controvérsia a respeito. (Esse dispositivo legal bem demonstra como é poderosa a defesa dos interesses dos cartórios extrajudiciais no Brasil, a ponto de o legislador decidir inserir no texto do CPC/2015 um artigo cuja finalidade não é outra senão que a de proteger esses interesses.)
SUCUMBÊNCIA: em sucumbindo o beneficiado pela gratuidade, prevê o parágrafo 2o. do artigo 98 que prevalece a responsabilidade da parte sucumbente pelos encargos decorrentes dessa sucumbência (taxa judiciária, despesas processuais e honorários de advogado). Mas se deve observar a condição suspensiva da exigibilidade quanto aos efeitos dessa responsabilidade, que permanecem suspensos por até cinco anos, contados do momento em que transitou em julgado a sentença ou o acórdão que, impondo os encargos de sucumbência à parte beneficiada, ressalvou a mantença da gratuidade. Pode o credor desses encargos (a parte contrária), dentro do prazo de cinco anos, alegar que a parte sucumbente terá perdido o direito a manter a gratuidade, comprovando tenha existido uma modificação na situação financeira do beneficiado pela gratuidade.
TAXA JUDICIÁRIA: importante observar que a taxa judiciária é da titularidade da União (no caso de processos que tenham tramitado na Justiça Comum Federal), e do Estado-membro (no caso de processos que tenham tramitado na Justiça Comum Estadual), de modo que, na condição de credora desse tributo, a Fazenda Pública pode alegar, nos autos em que o benefício da gratuidade foi concedido, a modificação na situação financeira da parte sucumbente, se esta deixou de recolher a taxa judiciária em razão da gratuidade, para que seja obrigada a esse pagamento.