O direito positivo brasileiro vivencia já há alguns anos uma tendência a querer obstar o juiz do principal papel que lhe cabe e que lhe é próprio: o de poder interpretar as normas jurídicas, para delas extrair o conteúdo e alcance em face de uma situação concreta, objeto do processo judicial. Súmulas vinculantes e mais recentemente as teses jurídicas fixadas em incidentes de resolução de demandas repetitivas são os instrumentos de que o Legislador utiliza-se com o objetivo de transformar interpretações judiciais em normas legais. O juiz, diante de súmulas vinculantes ou de teses jurídicas, não poderia senão que as cumprir, adotando como sua a interpretação que é de outro.

Ensina o filósofo francês, PAUL RICOEUR em sua indispensável obra “O Conflito das Interpretações” o seguinte: “Toda interpretação se propõe a vencer um afastamento, uma distância, entre a época cultura revoluta, à qual pertence o texto, e o próprio intérprete. Ao superar essa distância, ao tornar-se contemporâneo do texto, o exegeta pode apropriar-se do sentido: de estranho, pretende torná-lo próprio; quer dizer, fazê-lo seu. Portanto, o que ele persegue, através da compreensão do outro, é a ampliação da própria compreensão de si mesmo. Assim, toda a hermenêutica é, explícita ou implicitamente, compreensão de si mesmo mediante a compreensão do outro”. 

O que as súmulas vinculantes e as teses jurídicas fixadas em incidente de resolução de demandas repetitivas fazem é exatamente suprimir essa distância entre o juiz e o texto a ser interpretado, como se essa distância simplesmente não mais existisse, ou não pudesse existir. O juiz é assim impedido de poder apropriar-se do sentido que somente ele próprio poderia extrair do texto de uma norma, para fazer seu esse texto, retirando indevidamente do juiz o poder compreender a si mesmo como juiz.

Como diz RICOEUR, toda interpretação é a compreensão de si mesmo mediante a compreensão do outro, mas este outro não é senão que um texto, uma linguagem que se  coloca diante do intérprete como o material no qual ele, o intérprete, vai buscar uma compreensão, tanto do texto, quanto de si mesmo.  Esse outro não é, portanto,  um outro intérprete, que tenha feito antes dele uma interpretação.

Sabe-se que institutos como os da súmula vinculante e o das teses jurídicas foram pensados, construídos e desenvolvidos em função de uma necessidade de ordem prática, dos economistas sobretudo, que pretextam com a prevalência do valor da segurança jurídica. Mas a verdadeira razão que se esconde por trás desse discurso está no risco que qualquer interpretação traz consigo, quando não se pode controlar o que dela sairá como resultado.

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