A Constituição de 1988 é enfática ao utilizar o verbo “obedecerá” em seu artigo 37, quando estabelece que a Administração Pública em geral obedecerá  aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficiência”, da mesma forma como é enfática ao vedar que os ocupantes de  cargos públicos possam exercer determinadas atividades, quando exista ou possa existir um conflito de interesses. É por tal razão que se proíbe ao servidor público em geral cumule o exercício de seu cargo público com funções da iniciativa privada.

É em nome de princípios constitucionais como os da legalidade e da moralidade que se veda ao juiz possa advogar, como se veda ao advogado público que possa advogar na iniciativa privada. Importante observar que não há necessidade de que exista efetivamente um conflito de interesses, bastando a possibilidade de que venha a existir esse conflito para que prevaleça a proibição de o agente público exercer atividades na iniciativa privada.

Essa incompatibilidade deve ser observada não apenas em relação ao exercício de atividades na iniciativa privada, mas também a relações jurídicas das quais o agente público de algum modo participe. O juiz não pode, por exemplo, exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto na simples condição de acionista ou quotista, segundo estabelece o artigo 36 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

O mesmo tipo de impedimento constitucional e legal se há aplicar em relação ao ministro da economia e ao presidente do Banco Central, que por possuírem  acentuado poder decisório na política monetária e cambial, não podem manter recursos financeiros depositados em “offshores” no exterior, porque é evidente o conflito de interesses entre as atribuições legais do cargo que ocupam e o interesse pessoal que decorre da condição jurídica de titular de valores depositados no exterior, bastando considerar, a título de exemplo,  que a flutuação do preço do dólar no Brasil pode representar uma expressiva vantagem econômica em sua condição de titular do dinheiro depositado no exterior.

Se formos à jurisprudência e aos procedimentos administrativos, veremos com que rigor se aplicam aos servidores públicos em geral o regime de impedimentos e incompatibilidades no exercício de atividades na iniciativa privada. Diversos servidores públicos perderam seu cargo porque se comprovou exerciam funções na iniciativa privada, e em muitos casos não havia nenhuma relação direta entre o cargo do servidor e a atividade que realizavam na iniciativa privada, sendo suficiente que houvesse a possibilidade de um conflito de interesses para justificar a demissão. Destarte, no caso dos “Pandora Papers”, se mudarmos a linha de nossa jurisprudência, inclusive de nossa jurisprudência administrativa na matéria, para considerarmos que o conflito de interesses deve ser efetivamente comprovado, seremos obrigados a rever todas aquelas decisões que impuseram demissão a servidores públicos, como também deveremos fixar um novo paradigma no entendimento do regime de impedimentos e incompatibilidades do servidor público em geral.

 

 

 

 

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