“Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
I – da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica;
II – da autenticidade ou da falsidade de documento”
Comentário: trata-se da norma que estatui o direito a obter-se um provimento puramente declaratório, quando o autor quer que se declare que uma determinada relação jurídica existe ou não existe, ou quando há uma dúvida objetiva quanto ao modo de ser dessa mesma relação jurídica. O objetivo da ação de provimento meramente declaratório é a obtenção da certeza jurídica, e, portanto, não havendo incerteza jurídica, a carência de ação, por ausência do interesse de agir, deve ser reconhecida. Como ensina CHIOVENDA: “Objeto da sentença de declaração não pode ser um simples fato, ainda que juridicamente seja importante. Não se pode declarar que foi celebrado um contrato, senão que existe um contrato válido;não que Tício terá cometido um delito, senão que ele é responsável pelos danos; não que uma mercadoria seja defeituosa, senão que se tem direito a devolvê-la. (…)”. (“Instituciones de Derecho Procesal Civil, volume II, p. 239, tradução nossa).
Quanto às condições da ação para que se possa obter o provimento meramente declaratório, não há, a rigor, nenhuma particularidade que distingue esse tipo de ação das ações nas quais se quer obter um provimento condenatório ou constitutivo. A legitimidade para agir é extraída, pois, da relação jurídica cuja existência ou inexistência busca-se declarar, de modo que o autor deve integrar essa mesma relação jurídica, no sentido de que sua esfera jurídica está a ser afetada ou pode vir a ser afetada pela relação jurídica ou por algum de seus efeitos. O mesmo se pode dizer quanto à legitimação passiva. A análise do que está a produzir a incerteza jurídica é que constituirá o principal critério para aferir da legitimidade ativa e passiva. E também quanto ao interesse de agir, porque o existir a incerteza jurídica sobre uma relação jurídica específica é que caracterizará a a necessidade de se pleitear a tutela jurisdicional.
Ainda quanto ao interesse de agir, durante algum tempo questionou-se quanto a poder o autor ajuizar a ação de provimento meramente declaratório, quando já poderia buscar a condenação do réu em relação ao mesmo objeto. Mas essa questão hoje constitui apenas uma informação de natureza histórica, porque a doutrina e a jurisprudência consolidaram o entendimento de que o interesse de agir quanto à ação de provimento declaratório pode ser ajuizada, ainda que já exista a compasso a violação ao direito. Vários códigos passaram a conter regra expressa quanto a essa situação, e o nosso CPC/2015 assim também o fez, como se verá ao comentarmos o artigo 20.
Quanto ao objeto da ação declaratória, qualquer relação jurídica pode ser discutida nesse tipo de ação. Assim, uma relação jurídica de direito privado ou de direito público, uma relação de direito administrativo ou de natureza fiscal. Basta, pois, que exista uma relação jurídica, e que se tenha uma incerteza jurídica quanto a existir ou inexistir essa mesma relação jurídica, ou uma incerteza quanto ao modo de ser dessa relação jurídica.
Um mero fato não pode ser objeto da relação jurídica. A exceção está prevista no inciso II do artigo 19, quando se autoriza que a ação de provimento declaratório seja utilizada para por meio dela se declarar que um documento é verdadeiro ou é falso. A autenticidade ou falsidade desse documento, embora constitua um fato, pode ser objeto da ação de provimento declaratório. Trata-se, contudo, de uma exceção, porque exceptuada essa hipótese o objeto da ação de provimento declaratório deverá ser uma relação jurídica. Há aqui por se destacar a importância da descrição da causa de pedir na ação de provimento declaratório, porque se deve demonstrar que exista essa relação jurídica, e não apenas um mero fato, ainda que extraído de uma relação jurídica. A formulação da causa de pedir na ação de provimento declaratório merece, portanto, especial destaque.
A incerteza jurídica, diz a doutrina, deve ser objetiva e atual. Destarte, não basta que exista uma dúvida acerca de uma norma legal, ou mesmo de uma cláusula contratual, a não que ser demonstre que para a solução do litígio é necessário que se declare existir ou inexistência uma específica e concreta relação jurídica, ou que o modo de existir dessa relação jurídica esteja sob controvérsia entre os integrantes dessa mesma relação. Há uma exceção no direito brasileiro: a ação de declaração de inconstitucionalidade e de constitucionalidade de uma norma legal abstrata. O provimento jurisdicional que é emitido nesse tipo de ação é meramente declaratório e busca eliminar a incerteza jurídica quanto à constitucionalidade de uma determinada norma legal, abstratamente considerada nesse tipo de ação.
A incerteza jurídica deve ser atual, o que significa dizer que o litígio acerca de uma relação jurídica já deve estar configurado e a produzir efeitos, ou na iminência de que assim suceda. A propósito, durante muito tempo se afirmou na doutrina e na jurisprudência que a ação de provimento declaratório é um tipo de ação preventiva, no sentido de que, eliminando a incerteza jurídica, desapareceria o litígio. Olvidava-se, contudo, que para a ação de provimento declaratório possa ser utilizada, a dizer, para que o autor possua o interesse de agir, é necessário que ele demonstre que a tutela jurisdicional lhe é necessária, e isso somente ocorre quando o litígio existe, o que no caso da ação declaratória pode ser descrito tal como fazia CARNELUTTI, ao dizer que a lide é um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. No caso da ação de provimento declaratório, pois, o conflito decorre da incerteza jurídica, constituindo a incerteza jurídica o que caracteriza o objeto da ação. Assim, por exemplo, no caso em que o autor ajuíza a ação para que o juiz declare que, ao tempo em que o autor vier a aposentar-se, poderá obter determinado benefício em um determinado regime jurídico de aposentação. Nesse caso não há litígio, porque a relação jurídica (a dizer, a relação jurídica da qual nascerá a condição de aposentado) ainda não existe ao tempo em que a ação está a ser proposta, e o juiz deve, nesse tipo de caso, reconhecer a ausência do interesse de agir. Esse exemplo, de resto, bem ilustra que a ação de provimento declaratório não é uma ação preventiva, não ao menos no sentido de que inexiste o litígio e que a ação é ajuizada para prevenir que ele viesse a existir.
No que concerne à coisa julgada material, na ação de provimento declaratório, tanto quanto sucede nas demais ações de processo de conheciento (condenatória e constitutiva), a coisa julgada material produz seus regulares efeitos, quando a pretensão é julgada em seu mérito. Há que se observar que a certeza jurídica pode produzir efeitos contra terceiro (contra quem não foi parte no processo em que o provimento jurisdicional foi concedido). A análise do caso em concreto é que permitirá definir se essa extensão ocorrerá ou não. Poderá suceder que a extensão da coisa julgada material produza efeitos contra as mesmas partes do processo, mas ainda assim em uma extensão maior do que o objeto do processo, como pode ocorrer, por exemplo, no caso em que o sujeito passivo de um tributo obtenha um provimento jurisdicional que declare a inexistência da relação jurídico-tributária, com efeitos que a coisa julgada material fará projetar para além do exercício fiscal objeto do processo.