Começam  a surgir no Brasil questionamentos acerca da legalidade na forma de operação  da plataforma digital conhecida como “AIRBNB”, que surgiu em 2008 e hoje se espalhou para diversos países, inclusive para o Brasil.

Questiona-se em especial se o proprietário de uma unidade habitacional em condomínio residencial possui o direito, decorrente de sua propriedade,  de alugar seu imóvel por meio do “AIRBN”, ou se o condomínio o pode impedir, considerada a destinação original do condomínio a abrigar residências.  Analisemos brevemente esse tema.

Quando se considera um ordenamento jurídico em vigor, como o nosso, como um sistema aberto, compreende-se que valores e princípios jurídicos podem mudar com o tempo, e essa modificação pode causar efeitos sobre a natureza e conceito de institutos jurídicos. Um sistema é aberto, ensina CANARIS, quando está apto, ou não pode resistir a modificações, cujos efeitos projetam-se inevitavelmente sobre a estrutura desse sistema. O direito positivo é, assim, um sistema aberto, dado que os valores e princípios jurídicos que formam a sua estrutura podem se modificar e efetivamente se modificam conforme muda a realidade. Exemplifica CANARIS: “(…) as concepções sobre ‘a natureza’ da relação de trabalho sujeitaram-se a fortes mudanças e, assim sendo, o dever de assistência, dela derivado e as consequências múltiplas que hoje com este se relacionam, poderiam não ter sido necessariamente, desde o início (de modo objetivo e não apenas por desconhecimento) parte do nosso Direito privado, antes tendo obtido validez apenas num processo paulatino. (…)”. (in “Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito”, p. 123).

Princípios jurídicos  sofrem, portanto, um paulatino processo de modificação de seu conteúdo, imposto pela realidade subjacente. Por isso é que institutos jurídico-legais  têm seu conteúdo alterado, quando valores e princípios jurídicos que lhes formam a base modificam-se.  É o que sucede com o instituto jurídico da moradia, cujo conteúdo sofre hoje modificações em razão de uma nova conformação da realidade, que, aliás, foi percebida rapidamente pelos idealizadores da referida plataforma digital, quando atinaram que a  moradia, tanto quanto a locação, haviam se modificado substancialmente, dando lugar a modelos que deveriam se ajustar a uma nova realidade. Assim,  o interesse das pessoas em locações por tempo mais curto, compartilhadas com outras pessoas, obtendo com isso redução de custos,  esse interesse fez modificar o conceito jurídico de moradia, e com ele o de locação.

Modificou-se, assim, o instituto jurídico da moradia, na medida em que a sua destinação social alterou-se em função da realidade, e dispositivos como o do artigo 1.335 do Código Civil de 2002, que estabelecem os direitos dos condôminos a usar, fruir e livremente dispor das suas unidades,   devem ser interpretados e aplicados à luz de uma sensível modificação nos valores e princípios jurídicos relacionados à moradia, locação e mesmo à propriedade de imóveis em condomínios residenciais.

Afirmar-se, pois, que a forma de locação que existe quando o imóvel é locado por meio de uma plataforma digital, a qual aproxima interessados em uma locação temporária, que essa forma de locação pode ser proibida pelo condomínio por não se harmonizar com a destinação residencial das unidades residenciais que formam o condomínio, é desconsiderar  que o ordenamento jurídico em vigor é por natureza aberto e por isso sempre sujeito a modificações, além de não se compreender bem como a realidade tem o curioso poder de modificar os valores e princípios jurídicos, como IHERING reconhecera ao tempo em que abandonou a “Jurisprudência dos Conceitos”, para aderir a uma Jurisprudência pragmática.

 

 

 

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here