O secretário de educação do Estado de São Paulo, ao questionar a competência de um juiz de primeiro grau para conceder medida liminar, suspendendo a eficácia de um decreto do governador do estado, traz uma interessante questão, que, de fato, traz certa perplexidade mesmo entre os operadores do direito.

Com efeito, possui um juiz de primeiro grau competência para decidir sobre a validez de um decreto emanado do governador do estado, ou essa competência seria apenas do tribunal de justiça local?

A resposta varia conforme o tipo de ação utilizado.

Se, como no caso em questão, tratar-se de uma ação civil pública, a competência é do juiz de primeiro grau por força do que prevê o artigo 2o, “caput”, da lei federal 7.347/1985 (a lei que rege a “ação civil pública”). Durante algum tempo, questionou-se o conteúdo dessa norma legal, mas se consolidou na jurisprudência o entendimento de que se trata de uma norma que se harmoniza com os princípios e regras da Constituição de 1988.

Situação diversa, contudo, tem-se quando se cuida de um mandado de segurança, porque  se  entende que a competência deve ser  fixada de acordo com o cargo ocupado pela autoridade impetrada, o que enseja a possibilidade de uma norma estadual fixar essa competência originária  ao tribunal de justiça local, como se dá no Estado de São Paulo, cuja constituição estabelece a competência do tribunal de justiça para conhecer de mandado de segurança impetrado contra ato do governador do estado (e também do prefeito da capital).

Destarte, se as associações e sindicatos que questionam a reabertura das escolas tivessem impetrado um mandado de segurança coletivo contra o ato (decreto) do governador, então nesse caso a competência (absoluta e originária) seria do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mas como a ação efetivamente ajuizada foi uma ação civil pública, a competência, estabelecida pela lei federal 7.347/1985, é do juiz de primeiro grau.

Mas o leitor poderá obtemperar que, em se tratando do mesmo ato questionado, o critério de competência não deveria ser o mesmo? Sim. A rigor, o que deveria prevalecer é a natureza do ato questionado e não a formação do polo passivo com uma autoridade pública, por se dever considerar que o núcleo da demanda radica no ato administrativo, e não qualidade do cargo ocupado pelo agente público. A robustecer esse entendimento, acresce considerar que da relação jurídico-processual no mandado de segurança também deve fazer parte o ente público, que constitui, em verdade, o polo passivo, porque a autoridade pública age em nome desse ente.

Além disso, a nossa Constituição determina se observe, sempre que possível,  o juiz natural e que esse juiz natural deva ser preferentemente o juiz de primeiro grau, reservando para excepcionais hipóteses a competência originária a tribunal.

Seria o caso, pois, de se questionar a constitucionalidade de normas como as da constituição de São Paulo que criam um juízo privativo no tribunal de justiça para o mandado de segurança impetrado contra ato do governador ou do prefeito da capital, indevidamente suprimindo do juiz de primeiro grau essa competência. O princípio constitucional do devido processual legal deve prevalecer, e com ele a competência do juiz de primeiro grau.

 

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