Já abordamos este assunto dias atrás: o da fúria de tudo padronizar no Poder Judiciário brasileiro. Falámos à ocasião de institutos criados pelo CPC/2015 com o objetivo de que o juiz adote obrigatoriamente decisões proferidas por tribunais, decisões vinculantes, o que não existe nem mesmo em países que adotam o sistema da “common law”.

Hoje falaremos de um assunto correlato: o da padronização em unidades cartorárias.

É bastante antigo o modelo de estrutura dos cartórios como órgãos de apoio das varas judiciais. Em São Paulo, esse modelo é centenário, tanto quanto é a sua Justiça. Trata-se de uma unidade comandada por um diretor (outrora chamado de “escrivão”), e composta por escreventes (na Justiça Federal, denomina-se esse cargo de “auxiliar judiciário”), os quais têm por missão fundamental cumprir as decisões dos juízes, movimentando os processos com a maior velocidade possível. Quanto maior essa velocidade, mais eficiente, em tese, uma unidade cartorária é.

Ao longo do tempo, o que basicamente se modificou na estrutura dos cartórios foi a introdução do computador,  e mais recentemente a criação de sistemas de informática em função do processo “eletrônico”. Nas estruturas, nelas próprias, não houve grande mudança, senão que apenas uma e bastante significativa: a considerável redução do número de escreventes, não porque o Poder Judiciário tenha contratado muito menos funcionários, mas sim por haver uma absurda logística, em que se prestigia a estrutura dos cartórios de segunda instância, abastecidos por um número significativo de escreventes e de assistentes.

Se compararmos a estrutura de um cartório de primeiro grau com a de um cartório de segundo grau, e remontarmos vinte anos no tempo, constataremos que a equação era invertida: cartórios de primeiro grau tinham muito mais escreventes do que os de segundo grau, o que se justificava, e ainda deve se justificar dado o número de processos que tramitam em cartórios de primeiro grau, muito maior do que ocorre em cartórios de segundo grau. Daremos números para que o leitor possa se inteirar melhor dessa situação.

Uma vara de juizado especial de fazenda na Capital de São Paulo movimenta mais de dezoito mil processos, e conta com uma estrutura cartorária franciscana, com quatro escreventes. Um cartório de segundo grau, ou como é comum denominar-se um “gabinete” em que atua um desembargador, movimenta, quando muito, quatro mil processos, contando, entretanto, com dez servidores, entre escreventes e assistentes.

A ideia de padronizar atividades cartorárias é útil e deve ser tentada, muito embora diversas formas tenham sido engendradas ao longo do tempo, e logo abandonadas, porque elas não enfrentam o principal problema: a equação entre o número de processos em uma vara e o número de escreventes. Quando essa equação não fecha, ou seja, quando um escrevente tem que lidar sozinho com até dez mil processos, pode-se tentar qualquer tipo de padronização que não funcionará.

Além disso, a padronização traz consigo sempre um sério problema, o de incentivar juízes, aqueles menos comprometidos com a sua nobre missão, a copiar decisões que são padronizadas em modelos (chamam-se na prática “modelos de grupo”), de modo que ocorre um fenômeno que merece ainda um estudo: a padronização nas atividades do cartório acaba por ser menor do que a padronização do trabalho dos juízes em decisões e sentenças. (A lei do menor esforço, e do pensar menor, talvez explique esse fenômeno.)

Há algum tempo a Fundação Getúlio Vargas realizou um interessante estudo sobre o tempo do processo civil no Brasil. Ao cabo desse estudo, essa importante constatou algum que aos processualistas é costume não despertar atenção. Constatou-se, com efeito, que, na maioria dos processos, 90% de sua vida correm em cartório e não na sala do juiz, ou seja, quase sempre o processo está em cartório e quando vai ao juiz, recebe o processo uma decisão ou sentença e retorna ao cartório. A celeridade que o CPC/2015 quis e quer obter passa por esse aspecto.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here