Ao dar por encerrado o ano judicial, o presidente de nossa mais elevada corte de justiça, querendo homenagear uma ministra que completava nove anos de magistratura, leu um poema cujo título é “Recomeçar”, atribuindo-o ao nosso poeta maior, CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE. A homenagem é justa, sobretudo em um ano tão cansativo como este. O problema é que o poema não é de DRUMMOND (e jamais poderia ser dele).

O poema lido, e equivocadamente atribuído a DRUMMOND, começa com os seguintes versos:

“Não importa onde você parou,

em que momento da vida você se cansou,

o que importa é que sempre é possível e necessário “Recomeçar”.

(E o poema segue nessa toada por infindáveis estrofes de igual jaez).


Quiçá por dizer respeito ao tempo, esse poema tem sido, com alguma frequência, atribuído a DRUMMOND, mas apenas a leigos em poesia é que se pode desculpar um equívoco tão palmar como esse. Com efeito, não se encontra no rico e alentado acervo de DRUMMOND, no imortal DRUMMOND, um poema tão pueril e entremeado com tanto lugares-comuns como se encontra no poema “Recomeçar”.

Embora a linguagem de DRUMMOND revele-se em geral aparentemente simples, isso é apenas uma falsa aparência como grandes especialistas do nível de um DAVI ARRIGUCCI JUNIOR e AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA destacam. Daí, quiçá, a origem do equívoco em atribuir a DRUMMOND o que jamais lhe teria saído da pena.

E já que falamos em tempo, e em tempo de recomeçar, que constitui o motivo da homenagem em nossa suprema corte, trazemos aqui alguns trechos de um poema de DRUMMOND, que tem o título “Receita de Ano Novo”:

Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor de arco-íris, ou da cor da sua paz

Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido

(mal vivido talvez ou sem sentido)

para você ganhar um ano

não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,

mas novos nas sementinhas do vira-a-ser

novo 

(…)

Não precisa

fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar de arrependido

pelas besteiras consumadas

nem parvamente acreditar 

que por decreto da esperança

a partir de janeiro as coisas mudem

e seja tudo claridade, recompensa,

justiça entre os homens e as nações,

liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,

direitos respeitados, começando

pelo direito augusto de viver. (…)”.


O episódio envolvendo a nossa corte de justiça (de que certamente se aproveitaria SÉRGIO PORTO), tem ao menos o mérito de incentivar a leitura do poeta de Itabira, que é único e é original (Aliás, a leitura pode começar pelo poema “O Original e a Cópia”, este sim de DRUMMOND).

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