Conforme começamos a ver nas duas partes anteriores, o STF, em 1897, enfrentaria a questão da instituição do júri. Um Estado-membro, o Rio Grande do Sul, legislara a respeito, para determinar que o voto dos jurados fosse a descoberto (sem sigilo), e ainda para proibir a recusa peremptória aos jurados. Alcides de Mendonça Lima, então juiz naquele Estado (depois viria a se tornar um famoso jurista,  historiador e político), recusara-se a aplicar a lei gaúcha, alegando-a inconstitucional. Foi processado criminalmente e condenado. Recorreu ao STF com o patrocínio de RUI BARBOSA, e ali foi absolvido por unanimidade.

No julgamento pelo STF, duas questões principais foram analisadas, provocadas por RUI: a primeira dizia respeito à liberdade do juiz para, exercendo o controle de constitucionalidade, poder recusar-se a cumprir uma norma que ele próprio tenha declarado inconstitucional, em consequência de se reconhecer ao juiz a liberdade intelectual, e que por isso não pode e não deve existir o “crime de hermenêutica”:

Temos, pois, duas opiniões opostas a respeito do assunto, no seio da hierarquia judicial; uma sustentada por um magistrado, na primeira instância; a outra, na segunda, por dois. Para esta é manifestamente constitucional o Júri rio-grandense; para aquela, manifestamente inconstitucional. Ambas as maneiras de ver são proferidas com a mesma sinceridade. Ao menos a nenhuma das partes dissidentes é lícito insinuar outra coisa. O superior tribunal do Estado não tem por graça da sua superioridade oficial esse direito. O da infalibilidade também não lhe assiste. Um parecer subalterno pode ter razão contra julgados supremos: um voto individual, contra muitos. A questão, em última análise, se reduz, pois, a isto: um conflito intelectual de duas hermenêuticas, falíveis ambas e ambas convencidas”. 

Essa tese, magistralmente defendida por RUI, foi acolhida pelo STF e serviu de parâmetro que para se reconhecesse ao magistrado brasileiro a liberdade intelectual nas decisões que profere, nomeadamente quando se trata de exercer o poder difuso de constitucionalidade. O juiz MENDONÇA LIMA foi absolvido nesse julgamento, e em um outro, dado que o tribunal do Rio Grande do Sul voltaria a condená-lo sob a mesma alegação de que ele descumprira a lei.

Quanto ao funcionamento do júri, o STF, no primeiro julgamento, não havia se pronunciado sobre a constitucionalidade da lei gaúcha, o que veio a ocorrer no segundo julgamento, em que se reconheceu ao Estado-membro a competência para proceder a adaptações no procedimento do júri.

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