A legislação brasileira estabelece para várias situações o direito à  mantença do salário mesmo no caso em que o servidor público  não esteja a exercer as funções de seu cargo, quando, por exemplo, está preso preventivamente por ordem da justiça, ou quando está afastado do exercício do cargo como medida preventiva imposta por órgão de controle disciplinar. Assim se dá, por exemplo, com os magistrados, que podem ser afastados do exercício do cargo por ordem do CNJ.

Mas a  regra legal que garante o direito ao salário é justa, ou seja, é proporcional, ou não?

A resposta é negativa, e basta considerar o simples fato de que o salário constitui uma contrapartida ao trabalho executado pelo servidor, para que se conclua que a mantença do salário não guarda relação lógico-jurídica com a natureza da relação jurídica em que o salário insere-se como elemento.

Quando se instala um conflito entre direitos subjetivos, sendo ao menos um deles de natureza fundamental, a solução passa necessariamente pela aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade.

De um lado está o direito  subjetivo do servidor público em geral (incluindo aí o magistrado) de não sofrer a interrupção no  recebimento de sua remuneração, ainda que esteja preso ou afastado do cargo, podendo-se argumentar que  esse direito decorre dos direitos fundamentais que  garantem a irredutibilidade de vencimentos, a presunção de inocência e a dignidade da pessoa humana.

Doutro lado há o direito da Administração Pública, pois que não estando o servidor  a exercer as funções de seu cargo, não é justo que se obrigue a Administração a pagar salários a quem não tenha trabalhado.

Aplicando-se aqui  o princípio da proporcionalidade, azada forma ao controle jurisdicional de conflitos de direitos fundamentais,  reconhece-se, é certo, que o servidor público possui o direito à dignidade da pessoa humana, que  está diretamente a ser afetado pelo ato administrativo que lhe fez suspender o pagamento da remuneração de seu cargo.

Outros direitos poderia o servidor invocar, como  os da irredutibilidade de vencimentos e da presunção de inocência. Mas esses direitos não se configuram, porque a Administração não está a afirmar culpado o servidor público,   senão que apenas está a levar em conta o fato, objetivamente considerado, de que o trabalho não foi realizado, e se não foi realizado pelo servidor, não há direito ao salário.

Destarte, o único direito fundamental que está configurado é o da dignidade da pessoa humana, direito que embora de matriz antropológica, ganhou contornos de direito positivo em nosso Ordenamento Jurídico, para conferir proteção ao particular em suas diversas relações com o Estado, abarcando aquela de natureza funcional que o servidor público em geral (incluindo-se aí o juiz)  mantém com a Administração. Direito fundamental à dignidade humana que equivale a reconhecer que o Estado deve, na medida do juridicamente possível, preservar a esfera jurídica do particular, não lhe impedindo exercer, por exemplo, algum trabalho, ou de receber pelo trabalho que exerça.

Assim, de um lado há o direito fundamental do servidor público à proteção de sua dignidade como pessoa humana, no sentido de se lhe reconhecer o direito a uma fonte de renda decorrente de um trabalho lícito que mantenha seu sustento e o de sua família, e doutro, o direito da Administração, previsto em Lei, de não pagar ao servidor público  por um trabalho que ele  não está por ora a realizar.

Ponderando-se tais direitos, parece óbvio concluir que é caso de sacrificar-se o direito fundamental do servidor público, porque não se pode exigir da Administração pague, sem razão que o justifique, com prejuízo ao erário público (ao já combalido erário público), remuneração a um servidor público que não está a trabalhar, porque a remuneração somente se justifica em virtude de a Administração beneficiar-se do trabalho de seu servidor. Importante observa que a Administração em nada interferiu no ato de afastamento do servidor,  quando, por exemplo, é determinado  pelo CNJ, de modo que a Administração não pode sofrer as consequências patrimoniais de um ato que não lhe diz respeito diretamente, em que não interveio ou de que não participou, de modo que, nessas circunstâncias e por essa razão seria injusto onerar os cofres da Administração, para lhe obrigar a pagar a remuneração a um servidor que não está a trabalhar.

Consideremos nomeadamente que a relação jurídica que vincula o servidor público e o magistrado  com a Administração é de natureza funcional, e não de assistência social, cujos princípios e regras são de natureza diversa daqueles que se aplicam a uma relação puramente de trabalho, na qual se considera que a remuneração é devida apenas quando o trabalho é efetivamente exercido, ou nalguns casos específicos em que embora não executado, mesmo assim o servidor deve receber a remuneração, casos específicos e que são tão somente aqueles expressamente previstos em Lei (por exemplo, licença para tratamento de saúde). Já a assistência social tem outros princípios e regras, e por isso se justifica que alguns benefícios sejam pagos sem qualquer relação entre custo e benefício, como ocorre, por exemplo, com o auxílio-reclusão.

Mas alguém poderia objetar: e se ao final e ao cabo o servidor público é inocentado, ou no caso do juiz, se o CNJ desacolhe a representação. Para essa hipótese, que não está na relação de trabalho, mas sim no campo da responsabilidade civil, o ordenamento jurídico reconhece ao servidor público o direito de buscar do Estado (e não da Administração) uma justa indenização pelo que não recebeu a título de salário, em consequência de reconhecer que ele servidor não pudera trabalhar por fato ao qual não deu causa. Considere-se a distinção entre o Poder Público como Administração nas relações de trabalho que mantém com o servidor público, e o Poder Público como responsável pelos danos que seus órgãos públicos, como o CNJ por exemplo, tenha praticado.

 

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