No livro que organizou sob a encomenda da editora Dois Mundos, destinado à comemoração do centenário de nascimento de EÇA DE QUEIROZ, a escritora brasileira, LUCIA MIGUEL PEREIRA,  desenvolveu uma magistral distinção entre a obra e a personalidade do romancista português e a de MACHADO DE ASSIS, a quem, aliás, LUCIA biografara em obra hoje pouco divulgada, mas indispensável a quem queira conhecer, com detalhes o “Bruxo do Cosme Velho”:

No século dezenove possuiu a língua portuguesa dois do seus maiores ficcionistas: através do Atlântico, Eça de Queiroz e Machado de Assis travaram um diálogo em que se opunham dois temperamentos, duas concepções da vida e da arte. E a voz lusitana ecoava aqui com entono, suscitava imitadores e discípulos, enquanto a nacional se mantinha isolada, respeitada mas não seguida. Certo, o feitio dos dois escritores explicará, em parte, essa anomalia. Claro, plástico, expansivo, o talento de Eça de Queiroz se derrama a mancheias pelos grandes painéis que são seus livros; as suas palavras ficam-nos cantando aos ouvidos, sonoras e pitorescas, o seu poder verbal faz-nos sentir o perfume, a cor, o gosto do que evoca. Não é preciso ser intelectual para sofrer-lhe a sedução. (…)

Já os livros do nosso Machado, tecidos de sutilezas e minúcias, mais ricos de sugestões do que de descrições, desenvolvendo-se por gradações e nuanças quase imperceptíveis, requerem iniciação para serem completamente apreciados. Não entra, como os de Eça, na intimidade, na vida quotidiana dos leitores. Se não fosse escritor, Eça teria talvez encontrado na pintura o seu meio de expressão; Machado, se não escrevesse, haveria certamente de se manifestar pela música. A visão, direta e objetiva no português passava, no brasileiro, pelo ângulo da refração da subjetividade. Um romance, para este, seria como uma composição musical, onde cada nota suscita a seguinte, e todas se fundem para sugerir uma ideia, uma sensação; para aquele, era antes um quadro sem segundas intenções, indubitável e insofismável”.

 A referida passagem o leitor encontrará em “Livro do Centenário de Eça de Queiroz”, de 1945, hoje obra de alfarrábio.

 

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