A imprensa noticiou, com algum destaque, uma decisão judicial que, sob a figura da tutela cautelar antecedente, permitiu a realização de uma cerimônia de casamento, afastando a vedação imposta em norma municipal por força da pandemia. Assim, a cerimônia realizou-se, e então surge a pergunta: a rigor se trata de uma medida de natureza cautelar, ou o que foi concedido pelo juiz pode melhor ser caracterizado como uma tutela provisória de urgência de natureza antecipada?

O caso brasileiro faz lembrar, por certa similitude, um  episódio ocorrido na França e que é sempre citado pelos processualistas quando estão a falar da tutela cautelar. Calamandrei o menciona.

Um pintor fora contratado para decorar uma sala de um clube noturno e resolveu decorar o ambiente com afrescos,  representando imagens  de sátiros e de ninfas, quase que totalmente despidos. Um atriz, visitando o local antes da  abertura ao público, reconheceu a sua imagem retratada em uma das pinturas, e para impedir que ela fosse exposta, buscou a tutela jurisdicional. Um tribunal francês, aplicando o poder geral de cautela (que ainda não contava com previsão expressa na legislação daquele país), determinou que a imagem fosse provisoriamente coberta, até que a causa fosse julgada em seu mérito, e foi o que sucedeu.

No caso francês, o poder geral de cautela foi corretamente aplicado, porque se tratava de uma medida genuinamente assecuratória. Já no caso brasileiro, o que o juiz concedeu nada tem de natureza cautelar, mas sim antecipatória, pois que, realizado o casamento, a tutela cautelar perdeu seu objeto, dada que não pode ser substituída por nada mais.

. Vem a propósito recordar o que LOPES DA COSTA (nosso primeiro processualista a tratar com rigor sistemático da tutela cautelar), esclareceu acerca da distinção entre “temporário” e “provisório”, o que é fundamental para compreender para se distinguir a tutela cautelar de outras tutelas provisórias:

“Temporário, em verdade, é o que dura determinado tempo. ‘Provisório’ (…) é o que, por algum tempo, serve até que venha o ‘definitivo’. O tempo se define em absoluto, apenas em face do tempo; ‘provisório’, além do tempo, exige a previsão de outra coisa em que se sub-rogue. 

Os andaimes da construção são ‘temporários’. Ficam apenas até que se acabe o trabalho no exterior do prédio. São, porém, definitivos, no sentido de que nada virá substitui-los.

Já, entretanto, a barraca onde o desbravador dos sertões acampa, até melhor habitação, não é apenas temporária, é provisória também.

O provisório é sempre trocado por um definitivo” (Medidas Preventivas, p. 16, livraria Bernardo Alvares editora, 1958).

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here