O direito à obtenção de informações que constam de arquivos e registros públicos está previsto na Constituição de 1988, artigo 5o., inciso XXXIII, e  regulamentado pela Lei federal 12.527/2011. Reproduzimos aqui sentença em que analisamos situação em que a aplicação desses dispositivos legais autorizou o acesso do autor da ação (um mandado de segurança) ao que constava a seu respeito nos registros da Polícia Militar, de modo que pudesse o autor se utilizar desses registros em defesa que apresentaria em processo judicial.


Vistos.

O impetrante (…), qualificado a folha 2, afirmou estar sendo processado criminalmente, e para que pudesse realizar sua defesa, havia requerido à Polícia Militar do Estado de São Paulo certidão quanto ao conteúdo de determinados registros feitos por aquela Corporação, e que diziam respeito à ocorrência policial em que envolvido o impetrante, mas a Autoridade impetrada, senhor CHEFE DA SEÇÃO TÉCNICA E SUPORTE, negou-lhe tal certidão, o que, segundo o impetrante, viola a norma de matriz constitucional que garante a obtenção de certidões em quaisquer repartições públicas, quando necessária à defesa de direitos, como no caso em questão.

A peça inicial está instruída com a documentação de folhas 14/31.

Medida liminar concedida (folhas 34/35); não se registra a interposição de recurso.

Notificada, prestou informações a Autoridade impetrada para inicialmente ressalvar que ao contrário do que constara na Decisão que concedeu a medida liminar, o impetrante não é policial militar, e que a certidão foi-lhe negada em razão de se tratar de documentos considerados reservados segundo previsão legal, o que impede sejam com base neles extraída qualquer certidão. Nesse contexto, afirma a Autoridade impetrada que o sigilo desses documentos justifica-se em razão de envolverem informações que são inseridas em banco de dados da Corporação, com base nos quais se realiza a atividade de planejamento operacional estratégico (folhas 45/46).

Declinou de intervir o MINISTÉRIO PÚBLICO (folhas 86/87).

É o RELATÓRIO.

FUNDAMENTO e DECIDO.

Discute-se neste mandado de segurança quanto a direito fundamental invocado por particular em face do Estado, e que diz respeito à obtenção de certidão, a ser utilizada em defesa em processo criminal. Diante dessa temática, diretamente relacionada a direito fundamental, parece evidente que o MINISTÉRIO PÚBLICO devesse atuar, malgrado as razões que o levaram a declinar, expostas as folhas 86/87. Aliás, entendo que é sempre obrigatória a intervenção do Ministério Público em mandado de segurança, independentemente da matéria nele discutida, pois que assim o estabelece o artigo 12 da Lei Federal de número 12.016/2009. Mas, excepcionalmente, acedo com o posicionamento do ilustre Promotor de Justiça que deixou de oficiar, para que assim seja possível proferir-se, sem mais, esta Sentença, emprestando plena eficácia ao dispositivo constitucional que assegura celeridade no trâmite das demandas.

Não há matéria preliminar que penda de análise.

Quanto ao mérito da pretensão.

Registre-se, de primeiro, o equívoco material que foi corretamente apontado pela Autoridade impetrada em relação à Decisão proferida as folhas 34/35, pois que o impetrante, de fato, não é policial militar, o que, por consequência, afasta a aplicação, no caso, da Súmula vinculante de número 14, emanada do Egrégio Supremo Tribunal Federal. Mas o fundamento jurídico em que alicerçada aquela
Decisão continua a existir em favor do impetrante, cujo direito subjetivo fundamental é assim de ser reconhecido e implementado.

Com efeito, regulamentando o artigo 5o., inciso XXXIV, alínea “b”, da Constituição da República de 1988, prevê a Lei Federal de número 9.051, de 18 de maio de 1995, que “As certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, requeridas aos órgãos da administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias, contado do registro do pedido no órgão expedidor” (artigo 1o.), e “Nos requerimentos que objetivam a obtenção das certidões a que se refere esta Lei, deverão os interessados fazer constar esclarecimentos relativos aos fins e razões do pedido” (artigo 2o.) — dispositivos que garantem o direito fundamental à obtenção de certidão acerca de dados que compõem os registros de quaisquer repartições públicas, a serem utilizados em defesa criminal, e cuja aplicação se tornou mais eficaz com a novel Lei Federal de número 12.527, de 18 de novembro de 2011, que, de forma mais enfática, determina como deva ser implementado pelo Poder Público em geral em favor do particular o direito à obtenção de certidão, prevendo as restritas hipóteses em que deva prevalecer o sigilo em face do direito fundamental à certidão.

Essas hipóteses estão agora melhor tratadas no artigo 23 da referida Lei 12.527, do que estavam na Lei Federal 8.159/1991, que ao versar sobre o sigilo, falava genericamente em “segurança do Estado”, o que, contudo, não obstava que àquela Lei se desse a mesma interpretação que se deve dar em face da novel Lei, no sentido de que o direito de obtenção de certidão somente cede passo se há uma situação justificada de sigilo em favor do Estado, o que, evidentemente, não ocorre no caso presente. Com efeito, o impetrante pretende obter certidão que se refere a fatos pontuais, relacionados a registros de uma ocorrência policial em que envolvido, não havendo, por óbvio, nenhum risco de que essa informação, assim tão limitada e fragmentada, possa comprometer de algum modo o “planejamento operacional estratégico” da Polícia Militar.

POSTO ISSO, caracterizado o direito subjetivo invocado pelo impetrante, (…), concedo-lhe a ordem de segurança para em seu favor reconhecer o direito fundamental à obtenção de certidão para utilização em defesa em processo criminal, obrigando a Autoridade impetrada, senhor CHEFE DE SEÇÃO TÉCNICA E SUPORTE da Polícia Militar do Estado de São Paulo a, incontinênti, fazer expedir, sob as penas da Lei, a certidão que lhe fora solicitada por via administrativa, se não a fez expedir antes, quando tomou conhecimento da medida liminar. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.

Com urgência, intime-se a Autoridade impetrada para que faça cumprir a ordem de segurança.

A taxa judiciária deveria ser suportada pela FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, isenta, contudo, desse pagamento por força do que prevê Lei Estadual. O impetrante é beneficiário da gratuidade, de modo que não há condenação em reembolso de despesa processual. Em mandado de segurança, não há condenação em honorários de advogado.

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença, a ser submetida a reexame necessário, segundo determina o artigo 14, parágrafo 1o., da Lei Federal de número 12.016/2009.

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