Depois que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a autonomia administrativa dos estados-membros e dos municípios para a decretação das medidas que entendessem convenientes em razão da pandemia pelo “Coronavírus”, era bastante previsível que surgiriam medidas de todo o jaez, e  que muitas delas não atenderiam à legalidade formal e substancial. É o que sucede com a medida decretada pela Prefeitura de São Paulo que ampliou, além do limite do razoável, a restrição de veículos.

Por meio de um decreto, veiculo obviamente inadequado para a disciplina desse tema, a Prefeitura de São Paulo ampliou os locais,  dias e horários para a restrição de veículos, de modo que agora todo o perímetro da cidade está alcançado pela restrição, a qual vale para todos os dias da semana e com obrigatoriedade imposta para as vinte e quatro horas do dia, dividindo os veículos em placas com final par e ímpar, criando, por óbvio, uma carga de restrição rígida além de um limite que pode ser considerado como razoável, segundo as circunstâncias da realidade subjacente (ainda que consideremos a excepcionalidade dessa realidade provocada pela pandemia) e, nomeadamente, quando  se analisa  a adequação da medida e a sua finalidade, e quando se cotejam as vantagens e a carga de sacrifício imposta, sendo essas as formas de controle enfeixadas no princípio constitucionalidade da proporcionalidade, que como o leitor sabe é o instrumento pelo qual o Poder Judiciário examina a legalidade substancial de medidas estatais.

Trata-se, é certo, de um ato discricionário o praticado pela Prefeitura de São Paulo. Mas como enfatiza a doutrina, mas isso não obsta que certos elementos que compõem esse ato devam ser analisados pelo Poder Judiciário em controle da legalidade substancial.

Controle que, realizado por meio do princípio da proporcionalidade, incide  sob as três formas identificadas pela doutrina: o meio utilizado, a adequação da medida em vista de sua finalidade, e a ponderação entre os interesses em conflito, que vem a ser o cotejo entre as vantagens e inconvenientes de um determinado ato normativo, como no caso do decreto ora editado pela Prefeitura de São Paulo.

Quanto ao meio utilizado – o do decreto -, verifica-se que a Prefeitura de São Paulo fez sobre-exceder a finalidade de mera regulamentação que é natural ao decreto como veículo, para por meio dele legislar sobre uma matéria que diz respeito a direitos fundamentais, como  são os direitos ora limitados (o direito de ir e vir e o direito de propriedade do veículo), de modo que o decreto não poderia ter sido utilizado para regular esse tipo de matéria. Apenas lei formal o poderia regular.

No que concerne à adequação e finalidade, a medida de restrição de veículos não atende a seu  objetivo porque não constitui medida eficaz para implementação do isolamento social, dado que não obsta a que as pessoas movimentem-se pelas ruas, senão que apenas veda  elas se utilizem de seu carro próprio, mas sem impedir que as pessoas  possam se utilizar de veículos de transporte remunerado, como táxis e de aplicativos, o que significa dizer que em nada contribui para aumentar o grau do isolamento social.

Por fim, procedendo-se ao cotejo das vantagens e inconvenientes dessa momentosa medida estatal, ou seja, se ponderarmos a respeito dela e do que ela produz, constatamos que ela cria grandes inconvenientes de ordem social e individual, excessivos em grau tão considerável que suprime as vantagens que a mesma medida poderia gerar, se há vantagens, porque mesmo elas não serão atingidas como identificados na análise feita acima entre a adequação e finalidade.

De modo que o decreto em questão, sobre ser formalmente inconstitucional, quando sujeito ao controle pelo princípio constitucional da proporcionalidade revela a presença de manifesta ilegalidade substancial, seja quanto ao meio, seja quanto à adequação entre medida e finalidade, e, sobretudo, quando objeto de ponderação em face da carga de sacrífico que impõe.

 

 

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