São vários os grandes romancistas que trataram do tema da peste. CAMUS, como vimos, foi um deles. Mas EDGAR ALLAN POE merece especial destaque, porque, no contexto da peste, tratou do isolamento social e das circunstâncias e efeitos que decorrem quando esse tipo de medida é decretada.
Em seu conto “A Máscara da Morte Vermelha”, POE narra a história de uma epidemia, denominada de “Morte Rubra”, que assola determinado país, cujo príncipe resolve, ele próprio, isolar-se, ou mais propriamente encastelar-se em uma de suas propriedades, como se ali estivesse em uma inviolável construção.
Supondo que, em seu castelo blindado, estivesse a salvo, o rei passa a promover festas, bailes e outras diversões, na aguarda de que lhe comunicassem que a peste havia ido embora.
Em um dos bailes à fantasia, contudo, uma personagem destaca-se: é a “Morte Vermelha” que estava ali, “como um ladrão na calada da noite”, para fazer seu trabalho.
“Era uma figura alta e esquelética, envolva da cabeça aos pés com a mortalha do túmulo. A máscara que lhe ocultava o rosto imitava com tanta perfeição a rigidez do semblante de um cadáver, que até mesmo o melhor dos exames teria tido dificuldade em perceber o engano. (…). O mascarado tinha ido longe demais ao fantasiar-se de Morte Vermelha.
“Quando os olhos do príncipe avistaram essa figura fantasmagórica (…), ele foi tomado por convulsões, a princípio estremecendo de horror e asco, mas depois enrubescendo de raiva. (…). Reunindo uma coragem súbita, dado o desespero do momento, um grupo de mascarados entrou correndo no salão negro, e, agarrando o mascarado, cuja figura alta permanecia ereta e imóvel à sombra do relógio de ébano, gritaram com um horror inexprimível ao perceberem que as vestes e a máscara cadavérica que haviam agarrado de forma tão violenta e agressiva não continha nenhuma forma humana tangível.
“Só então reconheceram a presença da Morte Vermelha”.
Agora que o Governo Federal convenceu-se a si próprio e a governos estaduais e municipais de que o risco maior causado pelo “Coronavírus” já passou, que assim o isolamento social pode ser abrandado, e decidindo que o “baile da economia” pode prosseguir, torçamos para que a “Morte Vermelha” não se faça convidada.