Há uma famosa frase de CHIOVENDA, segundo a qual o processo civil deve dar a quem tem razão tudo aquilo a que faça jus, na exata medida a que o direito subjetivo reconhecido judicialmente corresponde. A CHIOVENDA, contudo, passou despercebido a existência de uma situação que entre nós se tem tornado algo comum: aquele que, conquanto tenha perdido o processo, acaba por ganhar o bem da vida pelo qual lutava.
Isso tem acontecido com especial frequência em casos envolvendo planos médicos, quando o autor, tendo obtido medida liminar, beneficia-se provisoriamente de um determinado tratamento médico, e, conquanto tenha, ao final do processo, tido seu pedido declarado como improcedente, é desobrigado de ressarcir os danos causados à operadora do plano de saúde em virtude da eficácia da medida liminar. Ou seja, malgrado a improcedência ao pedido, e a despeito da regra legal que impõe o regime da responsabilidade objetiva quanto aos danos causados pelo cumprimento da medida liminar, desobriga-se o autor de ressarcir tais danos, com o que se descumpre a norma expressa do artigo 302 do CPC/2015.
Mas por qual razão se poderia deixar de cumprir essa norma legal? Alguns se socorrem do amuleto da “boa-fé”, sob o argumento de que em favor do autor da ação se deve reconhecer uma “legítima confiança” no direito subjetivo que supunha ter, em função do qual demandou e obtivera a medida liminar, e que, em virtude da boa-fé e dessa “legítima confiança”, não é justo que se o obrigue a reparar os danos suportados pela operadora do plano de saúde, quando obrigada a despender dinheiro para colocar à disposição do autor um determinado tratamento médico.
Obviamente não se pode alegar esteja o autor de uma ação contra a operadora do plano médico em uma condição tal que o diferencie do autor de uma outra qualquer ação, quando se trata de ter a confiança de que possui o direito subjetivo que alega na demanda. Todo autor possui a legítima expectativa de que possui razão no que alega, e o autor da ação contra a operadora do plano de saúde não está em situação diferente daquela em que está qualquer autor de uma ação judicial. De resto, a se poder pretextar com a boa-fé e a “legítima confiança”, poder-se-ia também argumentar que o réu, no caso a operadora do plano de saúde, tem a mesma confiança de que o direito lhe socorre e que por isso negou a cobertura ao tratamento médico.
O fato é que é se prodigalizou, para além de uma medida do razoável, a utilização de algumas espécies de amuletos, em que se transformaram certos princípios jurídicos, como os da boa-fé e o da dignidade da pessoa humana, cujo conteúdo tem sido ampliado ao infinito, o que acaba, como é natural, por esvaziar seu sentido, de maneira que não se pode mais saber o que são esses princípios, que parecem a tudo atender, menos àquilo para o que foram ideados pelo Legislador.
Alguém poderia dizer que não dispensar o autor da ação contra plano de médico de reparar os danos causados em virtude do cumprimento da medida liminar, não é senão que aplicar a equidade. Sucede, entretanto, que o julgamento por equidade é excepcional em nosso ordenamento jurídico em vigor, precisamente porque nesse tipo de situação o juiz cria, ele próprio, a lei, fazendo-a aplicar ao caso em concreto, o que não é senão que algo excepcional, a dizer, excepcionalíssimo.