Nesse imbróglio acentuadamente político, e algo jurídico, envolvendo o IOF – Imposto sobre Operações Financeiras, em que o Congresso Nacional resolveu suspender a eficácia do Decreto emanado do Poder Executivo que havia feito alterar alíquotas, aumentando o imposto, nessa mixórdia, pois, surge algo realmente interessante: a consciência do real, ou seja, a sociedade como um todo é levada a conhecer como os interesses em conflito efetivamente se revelam, o que não é comum acontecer, sobretudo no Brasil, em que se criam tributos, majoram-se suas alíquotas, concedem-se isenções, sem que se saiba bem que está por trás de tudo isso. O cenário agora é outro.

Para suspender a eficácia do decreto que havia aumentado o IOF, retirando-lhe em essência a validez, o Congresso Nacional argumenta que o Governo Federal somente poderia modificar, por decreto, suas alíquotas houvesse uma finalidade regulatória, e como o Governo Federal, ele próprio, admite que outra é a sua finalidade – a de arrecadação -, o decreto não pode subsistir.

O IOF é um tributo (um imposto) instituído pelo artigo 153, inciso V, da Constituição, com um fato gerador expresso segundo uma dicção bastante genérica. Esse imposto incide, pois, sobre “operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos e valores mobiliários”. Com o que a Constituição evidentemente remeteu ao Legislador infraconstitucional a tarefa de descrever o que são essas operações. Dessa tarefa, desincumbiu-se o Código Tributário, que, por seus artigos 63 e 64, descreve os atributos dessas operações, para as juridicamente qualificar como de “créditos”, submetendo-as à hipótese de incidência do IOF, além de estabelecer em seu artigo 65 uma importante ressalva, a de que “O Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária”, o que também foi feito pela Lei federal 8.894/1994, cujo parágrafo 2o. estatui: “O Poder Executivo, obedecidos os limites máximos fixados neste artigo, poderá alterar as alíquotas tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal”.

O que são esses objetivos, denominados pela Lei como ligados a “políticas monetária e fiscal”? Voltamos à categoria do “imposto”, segundo aquilo que, em nosso ordenamento jurídico em vigor, e segundo mesmo a nossa tradição, caracteriza-o. Mas antes teremos que sair do mundo do Direito Tributário e ir até a Filosofia, o que é sempre necessário fazer quando se trata de fixar um conceito, ou seja, a essência de algo.

Vamos assim ao filósofo BENEDITO ESPINOSA e à sua “Ética”, na qual cuidou enfatizar a ideia de que cada coisa, enquanto existe em si, esforça-se por perseverar no seu ser, em que se destaca, portanto, o ingente esforço com que cada coisa age no sentido de manter sua essência. O que, aplicado ao “imposto”, conduz-nos a dizer que o imposto como “coisa” esforça-se para se manter como a principal fonte de receita de um Estado. Perseverar no seu ser, significa no caso do imposto, reforçar a todo o momento a sua essência como fonte de receita. Afinal, para que um imposto é criado, senão que para aumentar a receita de um Estado? Assim, dizer que um imposto possui finalidade apenas “regulatória”, é ir contra a sua essência.

De resto, nem mesmo o Legislador desconsiderou a essência do IOF como imposto, porque ao dizer que o Governo Federal, se quiser aumentar suas alíquotas, deve atender aos “objetivos da política monetária  e fiscal”, está a respeitar a essência do imposto, porque não há política monetária e fiscal que não seja de arrecadação.

Mas como dito, o imbróglio serve-nos ao menos para mostrar como funciona a engrenagem que movem os interesses reais, e isso já é bastante coisa.

 

 

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here