“Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:
I – havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;
II – o litígio versar sobre direitos indisponíveis;
III – a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;
IV – as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos”.

Comentários: não há nada de absoluto no campo do Direito, sobretudo no campo do Direito positivo. Há, e sempre haverá exceções à regra geral. A revelia é um exemplo disso. Estatui o artigo 345 que a revelia não produzirá a presunção de veracidade nas hipóteses que os incisos de I a IV desse artigo estabelece.

Essa presunção de veracidade significa que os fatos (e apenas os fatos, e não o direito) alegados pelo autor são tomados como verdadeiros, dispensando o autor de os provar. Nas hipóteses de que falaremos a partir de agora, e que estão previstas no artigo 345, incisos I a IV, do CPC/2015, a presunção de veracidade não prevalece. E além dessas quatro hipóteses, há ainda uma outra, não prevista expressamente.

A revelia, pois, não produzirá a presunção de veracidade se, instalado o litisconsórcio passivo, algum dos réus-litisconsortes tiver contestado. Ao tempo da vigência do CPC/1973, especulava a doutrina sobre a razão pela qual o Legislador terá considerado necessário, ou conveniente afastar a presunção de veracidade no caso do litisconsórcio passivo, quando um dos réus, ao menos um dos litisconsortes tiver contestado.

Para alguns processualistas, a razão estava no impedir que o juiz pudesse considerar como verdadeiro um fato, presumindo essa veracidade, e ao mesmo tempo e em relação ao mesmo fato considerá-lo de outra forma, o que poderia ocorrer se, no caso do litisconsórcio, a revelia produzisse seu principal efeito em face do litisconsorte que não havia contestado, o que afrontava a lógica, conquanto o Direito por vezes a afronte.

Para outros processualistas, a razão  era de ordem puramente processual, obstando que o juiz tivesse que proferir duas sentenças no mesmo processo. Lembremos que estamos a falar do CPC/1973, que não previa a figura do “julgamento antecipado parcial do mérito”, adotada pelo CPC/2015 (artigo 356), em que é possível que existam no mesmo processual uma decisão de mérito e uma sentença também de mérito.

Hoje, a doutrina entende que a razão é puramente lógica, o que significa dizer que o juiz não pode considerar um mesmo fato como verdadeiro e ao mesmo tempo como não verdadeiro. Essa é premissa, e dela se extrai a conclusão de que a revelia não produzirá seu principal efeito (a presunção de veracidade) no caso do litisconsórcio passivo apenas na situação em que a contestação de um dos litisconsortes referir-se ao mesmo contexto fático em que está a posição processual do réu revel. Se os fatos são diversos, conquanto exista o litisconsórcio passivo, a revelia poderá produzir seu principal efeito em relação ao litisconsorte revel. Claro está que, no litisconsórcio passivo necessário, e com mais razão ainda no litisconsórcio passivo necessário uniforme (naquele, pois, em que a sentença terá que decidir a lide de mesma maneira em relação a todos os litisconsortes), em que há uma relação indissociável na estruturação dos fatos, a revelia não produzirá seu principal efeito se um dos litisconsortes contestar.

A revelia também não produzirá esse efeito se o direito subjetivo discutido na demanda for considerado, por sua natureza, ou por imposição legal, um direito indisponível, colocado assim sob um regime de proteção sob diversos aspectos, dentre os quais está o de não o submeter à presunção resultante da revelia. Considere-se, por exemplo, que o réu, conquanto revel, é um incapaz. Como o direito subjetivo discutido na demanda é considerado por lei como indisponível, a revelia não produzirá a presunção de veracidade quanto aos fatos alegados pelo autor, a quem incumbe o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do direito subjetivo que alega, malgrado a revelia.

Se a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considera indispensável como prova de ato, também nessa hipótese a revelia não produzirá seu principal efeito. Há aqui uma certa incongruência em que incidiu o Legislador do CPC/2015, inconsistência, aliás, que estava presente no CPC/1973. É que se a petição inicial não está instruída com documento que a lei considera indispensável, não se deve chegar sequer à citação do réu, porque a petição inicial, ela própria, é inepta, e, assim o juiz deve fixar prazo ao autor para a apresentação de documento indispensável, e caso não seja apresentado, deverá rejeitar a petição inicial, fazendo anormalmente extinto o processo, conforme estatuem os artigos 320 e 321 do CPC/2015.

A penúltima hipótese (sim, a penúltima, porque além das hipóteses previstas no artigo 345, há uma outra de que falaremos logo a seguir), essa penúltima hipótese, pois, ocorre quando juiz não identifica verossimilhança nos fatos alegados pelo autor na petição inicial. “Verossimilhança”, convém pontuar, significa aquilo que parece verdadeiro. De maneira que, na hipótese do artigo 345, inciso IV, do CPC/2015, a revelia não produzirá seu principal efeito quando aquilo que o autor afirma no campo fático não parece a princípio verdadeiro ao juiz, que, diante dessa dúvida, não pode presumir que o seja, se ele próprio assim não considera.

Há ainda uma última hipótese em que a revelia não produzirá a presunção de veracidade. Trata-se de uma hipótese que não está no rol do artigo 345. Ela diz respeito à técnica da inversão do ônus da prova, prevista no artigo 373, parágrafo 1o., do CPC/2015, segundo o qual o juiz, diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade, poderá inverter o ônus da prova. Assim, é plenamente possível que, a despeito da revelia, o juiz considere determinadas peculiaridades da causa para, desse modo, inverter o ônus da prova, atribuindo-o ao autor, em uma situação, pois, em que a despeito da revelia, a presunção de veracidade não terá aplicação.

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