Há quem afirme, com pompa e circunstância, que as redes sociais estão sob o exclusivo controle de grupos econômicos, “ideologicamente fascistas”, ligados a organismos apenas da extrema direita, e que não há um outro objetivo que as move, senão o de “corroerem a democracia”. Segundo essa visão claramente maniqueísta, as redes sociais são um mal em si, algo que não “foi enviado por Deus”, ou seja, uma verdadeira caixa de Pandora, e que por isso as redes sociais ou devem ser, ou rigorosamente controladas pelo Estado, suprimindo-lhes toda a liberdade, ou até mesmo eliminadas, tudo em prol da democracia. Aqueles que pensam assim acreditam piamente que o mundo era muito melhor antes de as redes sociais passassem a existir, e a democracia também era melhor.
Como observou MACHADO DE ASSIS, “só há um meio de escrever a própria essência“, que é “contá-la toda, o bem e o mal“. É o que vamos tentar fazer aqui, fazendo uma comparação sobre aquilo que vivemos hoje no Brasil, em que as redes sociais se tornaram o principal meio de comunicação e de expressão de ideias, e o que ocorria antes delas existirem, quando alguns pequenos grupos econômicos (verdadeiras famílias) controlavam os mais importantes veículos de comunicação. Ao final, poderemos avaliar se as redes sociais são um mal à nossa democracia, ou, se pelo contrário, elas a fortalecem, na medida em que enseja que mais pessoas compartilhem daquilo que é comum a todos, que é o interesse público.
Como era o Brasil antes das redes sociais? Aqueles que atribuem às redes sociais todos os males do mundo, ou ao menos do nosso mundo, sustentam que elas estão sob o controle exclusivo de grupos econômicos. Mas os meios de comunicação, emissoras de televisão, jornais, revistas e rádios também não estão sob o mesmo controle econômico, e não estavam antes de as redes sociais existirem?
A nossa democracia, estruturada pela Constituição de 1988, ou seja, antes das das redes sociais, era melhor do que a que vivemos hoje? Ou não terá sido a invenção das redes sociais, permitindo um maior acesso das pessoas a temas que são do interesse de todos, que está a possibilitar que a ideia de democracia que a Constituição “cidadã” de 1988 idealizou possa ser alcançada? Lembremos de FLORESTAN FERNANDES, um dos constituintes de 1987, e que, além de, como parlamentar, vivenciar o sempre complexo fenômeno que envolve a construção de uma constituição, refletia a passo com a sua mão de sociólogo e atento observador de nossa democracia, que, em maio de 1988, alguns meses antes, pois, de a Constituição ter sido promulgada, escreveu: “Hoje já se sabe que a Constituição que está sendo elaborada realiza vários avanços, mas não é aquela que responde às exigências da situação histórica”. Pois bem, as redes sociais, incentivando a comunicação e o debate entre as pessoas, permite que todos nós percebamos como a nossa democracia funciona na prática, e como a lógica do poder está a operar. Compreender esse mecanismo é fundamental para a melhoria de nossa democracia, e está aí sua grande vantagem, e seu grande perigo aos olhos de quem, antes das redes sociais, controlava sozinho o poder. Os grandes grupos podem, é certo, ainda o controlar, mas agora as redes sociais os expõem, e isso é de fundamental importância em favor da sociedade. Há como que um compartilhamento do poder, que ninguém mais o detém sozinho. Lembremos de um triste episódio de nossa história político-social, envolvendo o golpe de 1964 e o apoio que um grande jornal deu aos militares, quando os jornais detinham um grande parcela do poder político. Hoje, com as redes sociais, esse tipo de episódio não tem quase nenhuma chance de ocorrer. A propósito, a nossa democracia não estará mais consistente, como parece comprovar a resistência a um suposto golpe que teria sido desencadeado recentemente, já com as redes sociais funcionando a todo vapor?
Há, é certo, males que as redes sociais trazem consigo. Mas são males em face dos quais a própria democracia prevê instrumentos de controle judicial, diversamente do que ocorria antes, quando os grupos que controlavam sozinho os meios de comunicação estavam imunes a esse tipo de controle. E a rigor, não estavam sujeitos a nenhum controle. Agora, a sociedade, por meio das redes sociais, executa esse controle, e é precisamente por isso que os poderosos a quem controlar.
Como aqueles que defendem a regulação das redes sociais passaram agora a um outro grau em sua argumentação, dizendo que as redes sociais não são “enviadas de Deus”, lembremos de um versículo da Bíblia, que está em Eclesiastes, 7.16-18, no sentido de que não devamos ser “demasiadamente justos, nem demasiadamente sabios”, que, nalgumas traduções aparecem como “demasiadamente santos”. Obviamente que as redes sociais têm problemas, vários problemas, mas não devemos ser ingênuos a ponto de acreditarmos que alguma coisa na vida terrena será de toda pura e boa. Nem mesmo a democracia o é.