O leitor, habituado a temas jurídicos, certamente ficará surpreso ao tomar conhecimento de que possa existir um princípio jurídico denominado de maneira tão trivial como “princípio do pão-com-manteiga”. Vamos contar como surgiu esse profundo princípio jurídico, que poderia, quem sabe, ter sido criado por KELSEN no contexto de sua famosa “Teoria Pura do Direito”. O privilégio, contudo, é nosso, que esse princípio é sim bem brasileiro, aliás, brasileiríssimo.
A um certo juiz, em um certo julgamento, em que se debatiam aspectos de um caso assaz complexo, quando ouvia a argumentação das partes e a exposição por um outro juiz das dificuldades do caso, veio-lhe de súbito a ideia de criar um princípio jurídico, a que ele prontamente deu o nome de “princípio do pão-com-manteiga”. A ideia lhe tomou de pronto, e se tornou fixa, o que, como dizia MACHADO DE ASSIS, é o pior que pode acontecer.
Depois de ouvir tudo quanto envolvia o rumoroso e complexo caso, o nosso juiz, nervoso com o tempo que o julgamento do caso já consumia, saiu-se com uma frase de efeito: “Para mim, a coisa é mais simples. Em lugar da complexidade, prefiro o simples, o pão-com-manteiga. Os juristas perdem seu tempo em escrever obras alentadas de doutrina. Sejamos simples”. E sem demonstrar qualquer base científica, que a rigor ele não tinha mesmo nenhuma, ele expôs ao público a sua solução, que desconsiderava tudo o que de jurídico o caso tinha.
Malgrado essa insólita solução, o fato é que a maioria dos juízes a secundou, o que, devemos confessar, deixou surpreso o próprio juiz, porque ele próprio não tinha muita convicção de que se pudesse resolver um caso tão complexo com uma solução tão simples e construída com ideias que inventara e que sabia não terem qualquer consistência jurídica.
Ao fim do julgamento, alguns dos juízes saudaram-no, dizendo que aquele momento era histórico para o direito brasileiro, porque afinal um novo princípio jurídico surgia, e com ele todo o trabalho judicial passaria a ser mais fácil. Bastaria inventar alguma razão.
E o juiz então os convidou para irem à sala de lanches do Tribunal, para ali desfrutarem de um delicioso pão com manteiga, acompanhado de café. Foi nesse momento que um outro juiz segredou-lhe que de há muito aplicava esse mesmo princípio, embora sem saber que se tratasse de um princípio.
Muito boa anedota jurídica!
Grato pela leitura. Muitas vezes é pela ficção que a realidade pode ser percebida.