De há muito, o conhecido filósofo do Direito, RECASENS SICHES (1903-1977) deu o nome de “lógica do razoável” a uma teoria que é tão singela, quanto é sua própria denominação. A “lógica do razoável” é, simplesmente, o extrair de uma norma legal a interpretação mais razoável. Está aí a sua “lógica”. Apliquemos essa teoria, pois, à norma do artigo 202 do Código Civil, que é a norma que estabelece as hipóteses em que a prescrição tem seu curso interrompido, o que, segundo o “caput” do artigo 202, somente pode ocorrer uma vez. Lembremos que, interrompida a prescrição, o prazo recomeça do zero, ou seja, inicia-se um novo lapso de prescrição.
Vamos no concentrar no inciso VI do artigo 202, do Código Civil, segundo o qual a interrupção da prescrição ocorre quando se tem “qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor”. Esse dispositivo legal reproduz, em essência, o que o Código Civil de 1916 previa em seu artigo 172, inciso V, e a interpretação que se extraiu dele se mantém até os dias de hoje, no sentido de que a hipótese cuidaria apenas da situação em que o devedor por qualquer meio, ainda que extrajudicial, faz interromper a prescrição, quando ele, o devedor, reconhece o direito em favor do credor. Assim, se há esse reconhecimento, a prescrição imediatamente se interrompe. Apliquemos a “lógica do razoável”, e veremos se a interpretação de boa parte da doutrina e jurisprudência acerca desse dispositivo legal revela-se razoável, ou seja, se há algo por detrás do enunciado normativo que o intérprete menos arguto não pode alcançar.
Comecemos por uma questão prática: por qual razão o devedor, ele próprio, quer fazer apenas interromper a prescrição, quando ele está a fazer muito mais que isso, ao reconhecer que o direito existe em favor do credor? O mundo é grande, está nele muita gente, e como são variados os interesses que movem as pessoas, não se pode excluir que, em algum específico caso, o devedor queira declarar ao mundo que é devedor, e para isso o faz declarar com a finalidade de querer interromper a prescrição, conquanto não esteja ele a declarar isso, senão que o direito existe e que ele é devedor.
Mas se o devedor reconhece a sua condição de devedor, fazendo-o inclusive por meio extrajudicial, a prescrição não terá seu curso interrompido? Sim, diz o inciso VI do artigo 202 do Código Civil que a prescrição estará imediatamente interrompida. Surge, então, uma segunda questão, e começamos aqui a aplicar a famosa teoria de RECASENS SICHES. Se o devedor reconhece a sua condição de devedor, ele não está apenas a fazer interromper a prescrição, senão que ele está a renunciar a prescrição, ainda que ela ainda não esteja já consumada. Se o devedor pode o mais, que é o de renunciar à prescrição já consumada, por qual razão se lhe obstaria a renúncia quando a prescrição ainda está em curso?
Vamos agora à essência da prescrição: para que finalidade o Legislador adota o instituto da prescrição? A mesma razão para a qual o mesmo Legislador criou o instituto da coisa julgada material: uma questão puramente prática, como observa CHIOVENDA. Nada obstaria, pois, que se discutisse eternamente uma questão jurídica, mas é melhor, para a segurança jurídica, que se presuma que, em um determinado momento, não se pode mais discutir o tema. O mesmo vale para a prescrição. Se o credor, ele próprio, mantém-se inerte, não invocando seu direito, é de se presumir não mais se interesse por ele. A ideia da prescrição radica na inércia, no abandono de um direito. Portanto, quando se fala em “interrupção” da prescrição, pensa-se em uma situação na qual o credor manifesta ao mundo a sua vontade de continuar a ser titular do direito e que o quer satisfeito. Às hipóteses trazidas com o artigo 202 do Código Civil subjaz essa ideia.
Portanto, quando o artigo 202, inciso VI, do Código Civil, fala que “qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial”, faz interromper a prescrição, a lógica do razoável conduz o intérprete a considerar que, se o credor manifesta a sua vontade inequívoca de querer satisfazer seu crédito, fazendo-o inclusive por meio extrajudicial, o lapso prescricional estará imediatamente interrompido. Assim, a notificação extrajudicial feita pelo credor interrompe a prescrição.
Assim, quando a jurisprudência brasileira adota o entendimento de que a notificação extrajudicial feita pelo credor não interrompe a prescrição, ela não está a observar a lógica do razoável, como também não a adota quando entende que o inciso VI do artigo 202 refere-se apenas ao devedor, como é se levado a crer pela parte final da redação do mencionado dispositivo legal, por não se considerar que, na hipótese em que o devedor reconhece a sua condição de devedor. ele não está a interromper a prescrição, senão que está a renunciar a ela.
Poder-se-ia argumentar que, quanto a efeitos práticos, não há distinguir entre renunciar à prescrição e fazê-la interromper seu curso no direito brasileiro, e de fato os efeitos práticos são parecidos, mas não são idênticos, porque, segundo o Código Civil, a interrupção da prescrição somente pode ocorrer uma vez, enquanto não há limitação dessa natureza ao instituto da renúncia. Mas o que é importante ressaltar é que o objetivo da aludida norma legal está no reforçar a ideia de que na base da prescrição, formando a sua essência, está a inércia, o abandono, e totalmente contrário a isso é, por óbvio, a manifestação do credor, quando avisa ao mundo que quer exercitar seu direito. E, aliás, tivesse o credor feito essa manifestação de vontade por meio do processo judicial, não haveria necessidade de um inciso como o do número VI ao artigo 202 prever a hipótese, porque ela estaria abarcada em seu inciso I. Mais uma aplicação da lógica do razoável.