Quiçá por terem, por obrigação profissional, que lidar com temas variados e em escasso tempo, os jornalistas em geral não se sentem desconfortáveis em escreverem sobre assuntos que não dominam. Há aí algo como uma espécie de soberba e quiçá por essa razão BALZAC os odiava e não perdia ocasião em demonstrar esse sentimento. Os juristas não são tão rancorosos como o famoso romancista francês, mas também se irritam com a presunção dos jornalistas quando escrevem sobre temas jurídicos para os quais eles, os jornalistas, não possuem o necessário preparo.

Pois bem, no editorial de um importante jornal brasileiro o leitor se depara com a seguinte afirmação, em verdadeiro tom de dogma, aplicado à reforma trabalhista: “É inacreditável que ministros tenham de dizer que uma lei deve ser seguida”. Para o jornal e seu jornalista, basta que uma lei seja uma lei formal, ou seja, que tenha sido aprovada segundo as normas constitucionais, para que ela, sem mais, valha e deva ser aplicada, sendo vedado aos juízes o interpretarem-na, ou principalmente compreendê-la. É verdade que, há alguns anos, um ministro de nossa alta corte de justiça escrevera coisa parecida ao decidir sobre a questionada constitucionalidade da chamada “Lei Cidade Limpa” (a lei editada pelo município de São Paulo proibindo quase todas as formas de publicidade), quando peremptoriamente afirmou em uma singela linha: “Se é lei, presume-se que seja constitucional”, com o que o ministro disse mais ou menos o que o editorialista disse.

Mas, voltando aos jornalistas, talvez seja oportuno lembrar-lhes de algo que não está no Direito, mas na Filosofia e que remonta à DILTHEY que, em um ensaio publicado em 1900, demonstrou como o problema hermenêutico em geral, incluindo a interpretação jurídica, estava para além do mero interpretar, para necessariamente chegar ao “compreender”, o que, segundo PAUL RICOEUR, conduz o intérprete dos domínios de sua ciência para um outro lado, o lado da psicologia, na medida em que “compreender é, para um ser finito, transportar-se para outra vida”. O que, em linhas gerais, significa a necessidade que sempre se coloca aos juízes de, ao interpretarem uma norma legal, sobretudo uma norma constitucional, de a analisarem sob diversos aspectos, para poderem determinar sobretudo se a Constituição, a lei maior, foi respeitada ou não.

De resto, fosse tão simples o mecanismo hermenêutico no Direito, e a rigor não haveria mesmo a necessidade de juízes e de tribunais. Bastaria, pois, que os jornalistas, eles próprios, com seu conhecimento amplo e variado,  lendo a lei, interpretassem-na, para simplesmente concluírem: “Se é lei, vale  e ponto final”.

Mas o mesmo se poderia dizer sobre a “Lei de Imprensa”, editada na época da ditatura militar, e ainda hoje em vigor. Quando alguém questionasse o conteúdo de uma matéria jornalista, processando o jornal,  o juiz deveria então dizer: “É lei, vale e ponto final”. Curioso, que o mesmo jornal que defende a interpretação literal da lei da reforma trabalhista, nos processos que lhe foram ajuizados e nos quais se questionava a liberdade de imprensa, alegava que a lei devesse ser interpretada conforme a realidade, e que o juiz deveria analisar se a “Lei da Imprensa” não terá se tornado inconstitucional com o tempo.

 

 

 

 

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