(…) Diremos em primeiro lugar que ele se esconde – murmurou Vierkhoviénski, numa voz terna como para uma confissão de amor, na realidade, como se estivesse ébrio. – Sabe o que significa esta frasezinha: ‘ele se esconde’? Mas ele aparecerá, ele aparecerá. Criaremos a lenda melhor do que fizeram os skótsi. Ele está ali, mas ninguém ainda o viu. Oh! que lenda se pode suscitar! (…) E que força haverá aqui, incrível! Para levantar o mudo, bastará que tenhamos uma só vez a alavanca na mão. E tudo será levantado”. 

Eis  um trecho do livro “Os Demônios”, em que DOSTOIEVSKI, aproveitando para narrar de passagem a experiência que vivera no começo de sua carreira e que o levara à prisão, fala do papel da lenda em nossa sociedade, antecipando aquilo de que LACAN trataria ao analisar um objeto que, conquanto continue a ser o mesmo, apresenta algo que não é ele próprio, ou seja, que escapa a seu significante, e está precisamente aí seu poder. A lenda é um exemplo de como isso pode ocorrer.

Com efeito, a lenda surge com uma história que parece ingenuamente denotar apenas o seu sentido mais óbvio, mas aos poucos, sem que a grande maioria das pessoas perceba, há uma espécie de inversão, em que o significante vai se libertando e se transforma em um sentido excedente que conota. Consideremos a título de exemplo aquilo que está a ocorrer com as redes sociais e  a lenda que acerca delas se criou, buscando gerar na opinião pública a impressão  de que, antes das redes sociais, os tradicionais meios de comunicação (televisão, rádio e jornais) não tinham o poder de interferência nas eleições, e de que qualquer modo não interferiam, e que apenas com o surgimento das redes sociais é que isso começa a ocorrer, como se o fenômeno fosse novo. E de repente as redes sociais transformam-se no inimigo número um das eleições. Pronto, a lenda está criada.

Não se pode esquecer, contudo, que as redes sociais podem interferir e interferem nas eleições, mas na mesma e exata medida em que os meios de comunicação antes faziam, quando eram os únicos poderosos. Vale rememorar um fato de nossa história e que envolveu as eleições presidenciais de 1989, quando uma importante emissora de televisão realizou uma “improvisada” entrevista com um dos candidatos, dando-lhe todo o tempo do mundo para que ele pudesse fazer acusações falsas contra o outro candidato. Essa inusitada e ilegal entrevista ocorreu poucos dias antes das eleições, e alguns institutos de pesquisa da época não excluíram a hipótese de que muitos eleitores podem ter sido induzidos a acreditarem no conteúdo da entrevista.

Há muitos outros episódios de nossa história que demonstram como os meios de comunicação tradicionais escolheram seus candidatos e “trabalharam” por sua vitória. E as estratégias utilizadas para esse objetivo são diversificadas e continuam  a ser adotadas ainda nos dias de hoje, como, por exemplo, quando um site de notícias dá ênfase a uma determinada matéria, cujo conteúdo beneficia ou prejudica um determinado candidato, conforme o interesse do veículo de comunicação.

O que as redes sociais trouxeram de novidade, portanto, não é o poder de interferirem nas eleições, que isso já ocorreria e ainda ocorre com os tradicionais meios de comunicação. O que é de fato novo é a pulverização desse poder, não mais concentrado na mão de alguns poucos proprietários de grandes emissoras de televisão, de rádios e de jornais.

Donde a criação da lenda de que é necessário controlar as redes sociais.

 

 

 

 

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